Título: Campanha deve manter EUA em paralisia política
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2011, Internacional, p. A9

O clima de paralisia política que dominou os Estados Unidos em 2011, incluindo o impasse para aumentar o teto do endividamento público, deverá esquentar um pouco mais a partir de 3 de janeiro, quando começa oficialmente o calendário da disputa pela Presidência americana, com as eleições primárias do Partido Republicano no pequeno Estado conservador de Iowa.

Apesar da baixa popularidade causada pela crise econômica, o presidente Barack Obama ainda é o favorito para levar um segundo mandato. Ele tem maior reconhecimento do eleitorado porque já está na Casa Branca. "Obama tem 65% de chances de ganhar", afirma Clifford Young, diretor-executivo da Ipsos Public Affairs, uma empresa de pesquisas de opinião pública.

No lado da oposição republicana, o ex-governador de Massachusetts Mitt Romney é o mais provável candidato. Com perfil moderado, ele tem pela frente o desafio de empolgar uma base eleitoral que se tornou um pouco mais radical nos últimos anos, depois do surgimento do movimento ultraconservador Tea Party.

Nenhum dos nomes alternativos que surgiram até agora, como o empresário Herman Cain, que já desistiu, conseguiu se sustentar por muito tempo à frente das pesquisas eleitorais entre os eleitores republicanos. Hoje, o principal oponente de Romney é o ex-deputado Newt Gingrich. Mas toda a sensação em torno de seu nome já começa a murchar, à medida em que são explorados os detalhes mais embaraçosos de sua biografia, como sua proximidade com lobbies que atual em Washington.

O cenário eleitoral mais provável, afirma Young, inclui a vitória republicana nas eleições legislativas. A oposição manteria a atual maioria na Câmara dos Deputados e assumiria o controle do Senado. Dois terços das vagas em disputa em 2012 são hoje ocupadas pelo Partido Democrata, de Obama, o que deixa o partido governista mais vulnerável a derrotas.

O tema central da campanha será a fraca economia americana e os altos índices de desemprego, perto de 9%. A crise na Europa, embora seja uma ameaça que pode levar a um novo mergulho recessivo, passa em branco nas discussões. Em 13 debates feitos até agora pelos candidatos republicanos, o tema foi levantado apenas uma vez.

"Não é algo que a maioria dos americanos entende", diz James Lindsay, do Council on Foreign Relations (CRF), centro de estudos de Nova York. "Os americanos sabem que a Europa tem problemas, mas não está claro para eles como isso pode afetar os Estados Unidos."

O governo tem se recusado a reforçar o caixa do FMI para o órgão, eventualmente, sair em socorro das maiores economias europeias, como Itália e Espanha. Não há clima político para isso num momento em que movimentos como o Tea Party e o Ocupem Wall Street, mais à esquerda, têm combatido o uso de dinheiro público para socorrer o sistema financeiro.

Romney, em debate recente, disse que os europeus são ricos os suficientes para organizar o seu próprio pacote de resgate, mas ponderou que o FMI tem um papel a desempenhar. Não se sabe se ele mudaria de ideia no caso de a zona do euro entrar em colapso. "A questão é se ele apoiaria encher os cofres do FMI para ajudar a Europa".

A eventual vitória de Obama depende, em grande parte, de sua capacidade para mobilizar a base democrata para ir às urnas (o voto é facultativo nos EUA), diz Young, do Ipsos. Sua vitória em 2008 se deveu, em grande parte, ao discurso de mudança que atraiu sobretudo eleitores jovens. Depois de quatro anos no poder, hoje sua capacidade de mobilização é bem menor.

Em tese, há duas formas de aglutinar a base. Uma delas é despertar o medo de uma guinada mais conservadora. "Gingrich, num cenário em que ele ganha as primárias, será um candidato muito mais conservador do que Romney e deve mobilizar mais a base democrata", afirma Young. Outra forma de estimular os eleitores a irem na urna são temas de interesses de grupos, como meio ambiente e casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Entre os pré-candidatos republicanos, há apenas um outro moderado, o ex-governador de Utah Jon Huntsman, que até agora não conseguiu decolar nas pesquisas. O conservador com agenda econômica mais radical é o deputado Ron Paul, que defende a volta ao padrão-ouro. Ele é hoje um dos favoritos para vencer as primárias em Iowa.

A deputada Michele Bachmann advoga uma agenda conservadora tanto em costumes, opondo-se ao casamento de pessoas do mesmo sexo, quanto na economia e nas relações internacionais. O governador do Texas, Rick Perry, e o ex-senador Rick Santorum também engrossam as fileiras conservadoras.

Se o cenário mais provável se confirmar, com Obama reeleito para um segundo mandato e o controle da oposição no Congresso, deve aumentar o impasse na agenda legislativa americana, com repercussões negativas nos mercados financeiros. Há algumas questões centrais pendentes.

Seria necessário um ajuste de US$ 4 trilhões ao longo de dez anos para colocar a dívida dos Estados Unidos numa trajetória sustentável, mas até agora há um acordo precário para cortar pouco mais de US$ 1 trilhão a partir de 2013. Republicanos e democratas também se desentenderam sobre a prorrogação de medidas de estímulo, como seguro desemprego e redução de impostos sobre folha de pagamento, consideradas vitais para manter um crescimento mínimo da economia em 2012. Foi fechado um acordo provisório de última hora, válido por apenas dois meses.

O controle republicano no Congresso também deverá aumentar os ruídos nas relações exteriores. Na Câmara dos Deputados, tornaram-se comuns audiências públicas com ataques ao regime cubano e ao presidente Hugo Chávez, da Venezuela.

"Não vejo o risco de serem adotadas medidas mais radicais contra a Venezuela, como embargo", diz Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, em Washington. "A comunidade empresarial por trás dos republicanos não quer sanções porque atrapalharia negócios lucrativos."