Título: Em ano recorde, vendas de carros aceleram no Sul
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Fonte: Valor Econômico, 28/12/2011, Empresas, p. B7

Apesar da estiagem que atingiu o Rio Grande do Sul neste verão, trazendo incertezas sobre a produtividade das lavouras, os agricultores gaúchos, quando olham para trás, têm poucos motivos para reclamar dos resultados da última safra.

Em meio a um cenário de demanda aquecida na Ásia e preços em alta, os embarques ao exterior de soja - principal item da pauta de exportações do Estado - subiram 63% e alcançaram, em valores, US$ 2,85 bilhões no período de janeiro a novembro.

No mesmo período, as exportações gaúchas de trigo cresceram mais de cinco vezes, enquanto as de milho em grão avançaram 32,3%. Favorecidas por ganhos de produtividade nas mais importantes culturas de lavoura, a agropecuária do Rio Grande do Sul cresceu expressivos 18,8% neste ano e ajudou a puxar uma expansão de 5,7% da economia do Estado, conforme dados preliminares do governo estadual.

Além de representar um alívio ao desempenho oscilante da indústria gaúcha, esses números ajudam a compor o pano de fundo do crescimento registrado neste ano pelas montadoras de carros, que se agarraram à demanda surgida em polos do agronegócio no país para renovar recordes de venda.

Embora o grande consumo de veículos esteja no Sudeste, foi no Sul que as vendas de carros novos cresceram mais rápido em 2011. Só no Rio Grande do Sul, quinto maior mercado automobilístico nacional, houve um avanço de 9,6%, mais de duas vezes o desempenho médio do mercado nacional - 4,3%.

Nos demais Estados da região - Santa Catarina e Paraná -, o crescimento foi da ordem de 7,35% e 8%, respectivamente. O levantamento foi feito pela consultoria automotiva Oikonomia e considera as vendas de automóveis e veículos comerciais leves. O seja, os números excluem caminhões, ônibus e motos.

Em 2011, o Sul passou a ter mais de 19% das vendas realizadas em todo o país, sendo a única região a ganhar participação de mercado. "A região sul foi a única que cresceu acima da média e, assim, "roubou" participação das demais regiões", diz o consultor Raphael Galante, responsável pelo estudo.

Outras regiões onde há predomínio do agronegócio - setor que já salvou a economia brasileira de uma contração no terceiro trimestre - ou exposição à forte demanda asiática por commodities industriais também viram o volume de emplacamentos subir mais intensamente.

No Mato Grosso, maior produtor de soja do país, as vendas de carros cresceram 11,7%. Já em Minas Gerais, segundo maior mercado automobilístico brasileiro, o crescimento também foi expressivo: da ordem de 6,8%. Já no Espírito Santo, o volume de emplacamentos cresceu 5,8%.

Só no Rio Grande do Sul, quinto maior mercado automobilístico nacional, houve um avanço de 9,6%

São resultados bem superiores ao aumento de 2,65% registrado em São Paulo - onde está um quarto dos veículos vendidos no país - ou no Rio de Janeiro, terceiro maior mercado, cujas vendas avançaram 3,7% neste ano.

Galante chama a atenção para o fato de que a ascensão desses mercados é acompanhada pelo consumo de automóveis de maior valor agregado. Marcas como Renault, Hyundai e Peugeot - que não estão entre as mais baratas - apresentam penetração mais forte no Rio Grande do Sul do que em outras regiões. No Mato Grosso, a participação de mercado da Toyota - fabricante da picape Hilux, objeto de desejo entre empresários mais abastados do campo - é de 5,75%, bem acima do percentual de 2,75% no mercado nacional.

Ante a consolidação de mercados nas grandes capitais, a indústria se vê diante do desafio de explorar novas fronteiras para seguir crescendo de forma sustentável nos próximos anos. Diversas regiões que hoje apresentam volumes muito baixos indicam um enorme potencial de crescimento. O problema é identificar exatamente onde estão esses mercados e, mais importante, saber qual é o momento certo de entrar neles.

A consultoria Escopo, que faz análises de mercado para montadoras, tenta diariamente matar essa xarada com mapas que buscam mostrar para onde o mercado está indo. A partir do cruzamento de dados sobre crescimento da economia regional com variáveis de renda e densidade demográfica já chegou à conclusão de que as vendas no norte do Maranhão, por exemplo, devem mais do que dobrar até 2020, chegando a 83 mil carros por ano.

Seja pela utilização do automóvel ainda relativamente baixa, seja pelo crescimento do consumo ou pelo volume de novos investimentos direcionados à região, o Nordeste é geralmente apontado como o mercado mais promissor pela indústria. Não à toa montadoras como a Fiat e a chinesa JAC Motors decidiram se instalar em Pernambuco e na Bahia, respectivamente.

De acordo com estudo da Escopo, o mercado de carros nordestino deverá crescer a um ritmo anual de 4,7% nos próximos cinco anos, acompanhado por um avanço parecido - de 4,5% ao ano - no Centro-Oeste.

As estimativas para o Sudeste até 2016 apontam para um crescimento de 3% ao ano. Para o Sul, a consultoria prevê um aumento anual de 3,3%, enquanto o Norte deverá avançar 4,8% ao ano, mas sobre uma base muito mais fraca de comparação.

Geraldo Ferreira, diretor da Escopo, diz ser pouco provável que o Nordeste passe o Sul nos próximos anos, mas lembra que o surgimento de novos centros de consumo exigirá um reforço da atuação das montadoras em regiões ainda pouco exploradas.

Segundo ele, para atender a um mercado que vai crescer a uma taxa anual de 3,5% nos próximos cinco anos, serão necessárias mais 653 revendas no país, sendo 192 delas no Nordeste e 154 no Centro-Oeste. A maioria das lojas, contudo, continuará sendo inaugurada no Sudeste, que precisará abrigar mais 237 pontos de venda no período.

O desenvolvimento da rede de concessionárias no Nordeste está por trás do avanço de algumas marcas chinesas no Brasil. Só neste ano, a CN Auto - que importa as vans Towner e Topic - abriu cinco concessionárias na região, conforme dados coletados pela Abeiva, entidade que abriga as importadoras de veículos, até outubro.

No mesmo período, a Chery, que ergue uma fábrica em Jacareí, no interior de São Paulo, abriu três revendas no Nordeste e colocou a região, junto com o Norte, no centro da estratégia de desenvolvimento da rede de distribuição. Por sua vez, a JAC Motors já está com sete concessionárias espalhadas por Bahia, Pernambuco, Alagoas, Maranhão e Rio Grande do Norte.

Ferreira lembra, no entanto, que mais importante do que ampliar o número de lojas é saber onde instalá-las. Em grandes mercados, como a Grande São Paulo, o ideal é que as revendas estejam a uma distância média de quatro a cinco quilômetros do consumidor. "Não adianta ter muitos pontos se isso não for feito com qualidade. É preciso oferecer conveniência ao consumidor", adverte o executivo.