Título: Venda sobe mais que produção na indústria
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2011, Brasil, p. A3

O descompasso entre as vendas e a produção da indústria avança ao longo de 2011. Embora ambas estejam desacelerando, há uma redução de ritmo significativamente mais acentuada na produção do que no faturamento do setor.

Em janeiro deste ano, a produção aumentava a um ritmo de 9,5% ao ano, com o faturamento subindo em patamar equivalente, de 9,3% ao ano, já descontada a inflação. No meio do ano, já era possível notar um descasamento, com a produção crescendo 3,7% em 12 meses, enquanto as vendas tinham alta de 6,9% na mesma base de comparação. Nos 12 meses encerrados em outubro, a diferença ficou ainda maior: o faturamento real do setor cresceu 5,3%, mas a produção avançou modesto 1,3%.

Para analistas, um motivo de curto prazo - os estoques - explicam o avanço mais intenso do faturamento, mesmo com a freada na produção promovida pela indústria neste ano. Mas são as importações que tornam a questão persistente, já que fatores como a valorização do real e a alta carga tributária têm levado as companhias a diminuir a produção diante da possibilidade de atender a demanda doméstica com importados. Com o tempo, a indústria pode deixar de fabricar uma série de bens e se tornar muito especializada, produzindo apenas itens em que tem vantagens comparativas - essencialmente produtos semimanufaturados -, uma característica de países de alta renda.

"Neste momento, a indústria está vendendo estoques acumulados, por isso ocorre uma variação maior do faturamento do que da produção ", diz David Kupfer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembrando que 2011 foi marcado por uma reversão de expectativas muito grande. No início do ano, os empresários prepararam-se para um crescimento da ordem de 5%, mas a realidade foi se mostrando mais amarga e as estimativas de expansão agora giram em torno de 3%. Nesse ambiente, explica Kupfer, é natural que a indústria pare de produzir para vender os estoques acumulados.

A indústria perdeu ritmo mais rápido do que o restante da economia, mas ainda sustentava expansão de cerca de 3% até julho, no acumulado em 12 meses. Entre agosto e outubro, no entanto, ficou mais claro que a combinação entre as medidas de contenção do crédito promovidas pelo governo no fim de 2010 e a crise internacional teria efeito mais forte. No período, a indústria recuou 2,6%, na série livre de efeitos sazonais. Assim, nos 12 meses até outubro, o crescimento baixou para 1,3%. Enquanto isso, o faturamento, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), subiu 5,3% no mesmo período.

O andar descompassado entre receita e faturamento foi disseminado entre diversos setores da indústria de transformação. De acordo com levantamento do Valor, dos 19 setores pesquisados, em 13 o faturamento real era, no acumulado neste ano até outubro, maior do que a produção física. Em alguns casos, como no setor calçadista e de materiais elétricos, o faturamento real é positivo, mas a fabricação recuou neste ano.

Para Kupfer, a expansão da receita é sinal de que a indústria está conseguindo contornar as dificuldades e pode sinalizar uma retomada da produção industrial no próximo ano. O economista da Tendências Consultoria, Rafael Bacciotti, se mostra mais otimista ao prever melhora na produção já a partir dos indicadores de novembro, diante da diminuição dos estoques. Para ele, eles são o principal motor desse descolamento.

Edgar Pereira, consultor e professor da Unicamp, concorda com essa avaliação, mas apenas em parte. "A magnitude [do descasamento] pode ser mais intensa em determinado período, por causa dos estoques, mas como tendência, não é uma explicação." Isso seria equivalente a declarar que a indústria está constantemente errando projeções, diz ele. Para Pereira, a explicação é simples: "A indústria tem ampliado a parcela da receita com revenda de produtos importados.

Principalmente por causa da concorrência, para não deixar de atender clientes". O economista Constantin Jancsó, do HSBC, diz ainda que com o aumento do custo da mão de obra, é mais fácil obter lucro importando e colocando etiqueta própria que produzindo por aqui.

Por isso, acrescenta Pereira, esse cenário é considerado mais grave para a indústria nacional que para as multinacionais. As companhias com atuação no exterior podem remanejar a produção entre os países onde atua. Uma empresa com atuação apenas no mercado doméstico não teria essa alternativa. "Quando perde a competitividade, opta por parar de produzir."

Com o passar do tempo, avalia Pereira, apenas setores com vantagens comparativas continuariam produzindo no Brasil. Essa tendência, para Jancsó é global. "É natural que haja especialização, com alguns setores se desenvolvendo mais e outros sumindo. A tendência é de os países ficarem cada vez mais especializados"

Para se manter competitiva, a indústria nacional precisa dar "um salto de qualidade", afirma Rogério César de Souza, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Segundo ele, com a crise lá fora, os produtos asiáticos não serão os únicos a disputar a preferência dos consumidores no Brasil. "Teremos a concorrência também dos produtos europeus e americanos."

Não se trata, portanto, só do câmbio, como fazem crer empresários e representantes do setor. "Se o dólar ganhar força contra o real, teremos problemas com a inflação e, consequentemente, baixo crescimento. Enquanto não fizermos algo para melhorar a competitividade, o descasamento entre faturamento e produção continuará", diz Jancsó.