Título: Parecer recomenda veto a Roriz
Autor: Campos, Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 21/09/2010, Cidades, p. 25

Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o ex-governador não é ficha limpa e deveria ficar inelegível. Cabe agora ao ministro Ayres Britto concluir seu voto para que, amanhã, o candidato do PSC tenha seu destino selado no plenário do Supremo

O recurso interposto por Joaquim Roriz (PSC) para tentar garantir sua permanência na corrida ao Palácio do Buriti só depende agora da conclusão do voto do relator, ministro Carlos Ayres Britto, para ser julgado amanhã no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminhou ontem à Corte o parecer em que reforça a tese de inelegibilidade do ex-governador do DF com base na Lei da Ficha Limpa por conta da renúncia ao mandato dele de senador em 2007, no episódio conhecido como Bezerra de Ouro. Dessa forma, o Ministério Público Federal pede a manutenção da decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF), a qual negou o registro da candidatura do político que comandou a capital da República por quatro vezes nos últimos 20 anos.

No parecer, Gurgel rebate os três principais pontos da defesa de Roriz, baseada nos princípios constitucionais da anualidade(1), presunção da inocência e irretroatividade das leis. O procurador sustenta que, ao renunciar, Roriz se enquadrou perfeitamente num dos casos de inelegibilidade previstos pela nova norma criada pelo Congresso para atender projeto de iniciativa popular. Idealizada como forma de barrar candidaturas de políticos com passado nebuloso, a regra considera quem renunciou para escapar de cassação alguém a ser banido temporariamente da política. Caso tivesse enfrentado o processo por quebra de decoro no Senado, Roriz poderia ter perdido o mandato e estaria inelegível pelo período de oito anos após o fim de seu mandato em 2014, avalia Gurgel.

De acordo com a Lei da Ficha Limpa, Roriz está sem condições de disputar eleições até o fim de 2022. Se o entendimento do Ministério Público for mantido pela maioria dos ministros do STF, o ex-governador estará condenado à aposentadoria política. Ele só poderá voltar a concorrer a cargos no Distrito Federal em 2026, quando terá 90 anos. Na avaliação de advogados que atuam no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a tendência é de que o recurso de Roriz seja provido e ele possa confirmar sua candidatura ao GDF amanhã. Esse prognóstico leva em consideração convicções dos ministros externadas em julgamentos anteriores.

Marco Há, no entanto, uma avaliação de que a sessão desta quarta-feira, base para a repercussão geral em outros processos sobre a Lei da Ficha Limpa, será histórica. Está em jogo a discussão da preponderância do princípio constitucional da probidade administrativa sobre os direitos individuais. Advogados analisavam ontem que os ministros Celso de Mello, Ellen Gracie e Dias Toffoli, considerados contrários à Lei da Ficha Limpa, ainda formulam seus posicionamentos e podem surpreender. Para Gurgel, está em questão o interesse público. A ponderação entre os direitos torna certo que a conservação da moralidade administrativa não pode ser comprometida por interesses estritamente individuais, afirmou o procurador-geral. E acrescentou: As causas de inelegibilidade representam ditames de interesse público, fundados na pretensão coletiva de preservação dos valores democráticos e republicanos.

Na sessão desta quarta-feira, os advogados Pedro Gordilho e Eládio Carneiro, que representam Roriz, terão 15 minutos cada um para sustentar no plenário a inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Eles vão dizer que o ex-governador renunciou quando não existia uma consequência de inelegibilidade desse ato. Uma lei, argumentam, não pode retroagir para prejudicar alguém. Também representante do ex-governador, o advogado Alberto Pavie Ribeiro afirma que o próprio Ministério Público em processos anteriores já considerou como fundamental o princípio da anualidade da norma eleitoral, mesmo quando essas regras foram alteradas antes das convenções partidárias. Segundo Pavie, o parecer é do ex-procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza.

1 - Prazo de adaptação O artigo 16 da Constituição estabelece que uma norma que altera o processo eleitoral só pode entrar em vigor se for promulgada um ano antes do pleito. O sentido desse princípio é dar prazo para que os partidos se adequem a uma nova realidade. Esse será um dos temas do julgamento do recurso de Roriz. O presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, que atua no Supremo, defende que a Lei da Ficha Limpa não mudou o processo eleitoral e que houve tempo para as discussões partidárias, pois o projeto foi sancionado antes das convenções.