Título: Texto de cúpula opõe Venezuela e Mercosul
Autor: Góes, Francisco e Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2007, Brasil, p. A3

A liberalização do comércio agrícola na Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi motivo de divergência, ontem, entre a Venezuela e os demais sócios do Mercosul. Enquanto Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai querem reafirmar seu compromisso com uma maior abertura dos mercados agrícolas, a Venezuela defende o apoio doméstico aos produtores rurais. O episódio evidencia as dificuldades crescentes que o Mercosul deverá enfrentar para conciliar posições internas a partir da adesão de novos sócios plenos como Venezuela, Bolívia e, talvez, Equador.

A diferença entre a Venezuela e os outros sócios do bloco surgiu na preparação do documento que será divulgado no encerramento da reunião de cúpula do Mercosul, que começa hoje e termina amanhã no Hotel Copacabana Palace, no Rio. Por sugestão do Brasil, se resolveu reafirmar, na declaração final dos presidentes, a necessidade de maior acesso a mercado para os produtos agrícolas do bloco e o fim dos subsídios dados aos produtores rurais pelos países desenvolvidos. A Venezuela sugeriu incluir no texto a questão da segurança alimentar, tema defendido por países importadores de alimentos, inclusive a União Européia (UE).

Na tarde de ontem, este era um dos últimos pontos pendentes na declaração presidencial da reunião de cúpula do Rio, que terá um forte tom político. A decisão de maior relevância deverá ser a declaração de adesão da Bolívia como sócio pleno do bloco, tema que será analisado por um grupo técnico a ser criado. O caráter político da cúpula ganha força já que uma das principais decisões técnicas, a adoção de regras no Mercosul para facilitar as exportações do Uruguai e do Paraguai dentro do bloco, enfrentam a resistência da Argentina.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, disse ontem, ao chegar ao Rio para participar da reunião, que o Mercosul precisa ter espírito de generosidade. "Não podemos ser mesquinhos", afirmou. Ele não vê problemas para o Brasil implementar sozinho o fim da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. Em relação à flexibilização da regra de origem do bloco, a medida que reduz o conteúdo nacional para bens dos sócios menores, Amorim reconheceu que existe preocupação com efeitos que possam ser gerados pela medida.

Mas o chanceler brasileiro insistiu: "Temos certeza que esse é o caminho certo. Não queremos prejudicar nenhum outro sócio e podemos criar um grupo de trabalho para discutir o assunto e esperar mais alguns meses."

O ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Reinaldo Gargano, afirmou que insistirá no tema da livre de circulação de mercadorias no bloco comercial. A declaração foi uma referência ao bloqueio argentino em pontes sobre o Rio Uruguai em protesto contra a construção de fábricas de celulose no Uruguai.

Diplomatas que discutiram ontem o texto final da reunião de cúpula tentaram minimizar as diferenças surgidas entre a Venezuela e os demais sócios do Mercosul. Mas o fato é que até a entrada da Venezuela no Mercosul os quatro sócios do bloco sempre tiveram posições muito semelhantes sobre a questão da liberalização agrícola nas negociações da OMC.

A Venezuela é importadora de alimentos e tem garantia de preços mínimos na agricultura. Nesta condição, defende o apoio interno aos produtores como forma de reduzir a dependência externa no abastecimento de alimentos. Uma fonte graduada lembrou que a entrada da Venezuela no Mercosul se deu por uma decisão política que se impôs a um processo em que se negociariam as condições pelas quais ocorreria a adesão. Assim a Venezuela estaria mais preocupada em fazer o Mercosul se adaptar a ela do o contrário.

Uma das maiores dificuldades na adesão da Venezuela ao Mercosul passa pela redução dos impostos de importação no comércio com os demais sócios do bloco. O protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul prevê que a redução de tarifas (cronograma de desgravação) em quatro anos.