Título: A natureza em chamas
Autor: Alves, Renato; Tolentino, Lucas
Fonte: Correio Braziliense, 21/09/2010, Cidades, p. 30
Atual cenário de destruição do cerrado confirma o pior período de incêndios no DF nos últimos três anos. As labaredas chegaram a três das cinco principais reservas ecológicas candangas
Com a média de quase um novo foco por hora, o Distrito Federal vive a pior temporada de queimadas dos últimos três anos. Até ontem, o Corpo de Bombeiros havia registrado 2.686 ocorrências, 30% a mais que ao longo de 2009. E, muito mais preocupante, é a extensão de cerrado destruído. Já são 17,6 mil hectares, área 375% maior do que a consumida ano passado. Setembro é, de longe, o período mais crítico. No mês, as chamas atingiram três das cinco principais reservas da capital do país. A pior tragédia ambiental teve início às 8h de domingo, quando as labaredas começaram a lamber o Parque Nacional de Brasília. No fim da noite de ontem, militares e voluntários ainda não haviam controlado o fogo.
Também conhecido como Água Mineral, por causa das piscinas naturais, o Parque Nacional é a maior área verde do DF. Em pouco mais de um dia, o incêndio ainda em andamento consumiu cerca de 25% dos seus 42.789 hectares cada hectare equivale a um campo de futebol profissional. Os mais de 10 mil hectares destruídos fazem dessa a maior queimada do ano e maior da unidade de conservação nos últimos três anos. (1)Cerca de 300 bombeiros se revezaram ao longo dessa segunda-feira no combate às chamas, com a ajuda de 50 brigadistas da reserva. Dois aviões-tanque passaram o dia despejando água nos quatro focos de incêndios do santuário ecológico.
Locadas em parceria entre o Governo do Distrito Federal (GDF) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), as aeronaves chegaram ao Distrito Federal no início da noite de domingo, vindas de Tocantins. Com capacidade para 3,1 mil litros de água, elas fizeram voos rasantes sobre as linhas de fogo no Parque Nacional, das 11h até o por do sol. Os pilotos usaram uma fazenda particular em Sobradinho como base de apoio. Pousavam para reabastecimento (2)na rodovia que margeia a propriedade rural. Segundo técnicos do ICMBio, os equipamentos continuarão a ser usados hoje, data estimada pelos bombeiros e brigadistas do ICMBio para controlar a queimada.
Helicópteros Além dos aviões, três helicópteros um do Corpo de Bombeiros, um da Polícia Militar e outro do Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF) passaram o dia no parque. Elas levavam militares a pontos onde as caminhonetes não alcançam por causa das dificuldades no terreno e o cerco das labaredas. No combate terrestre, os bombeiros e brigadistas usaram uma mochila com água, chamada de bomba costal, e abafadores. As equipes também criaram aceiros cortes na vegetação nativa para evitar o avanço das labaredas.
A fauna é a mais afetada pelo fogo, segundo os responsáveis pela operação de combate ao incêndio. A vegetação se recupera rápido. O problema são os animais mortos. Na região, há espécies importantes, como o lobo-guará, exemplificou o chefe do parque, Amauri Senna Motta. Os bombeiros cogitam a possibilidade de que as chamas tenham sido provocadas por pessoas que passavam pelo local. Depois de controlá-las, uma perícia será realizada na região para encontrar vestígios da origem da queimada.
1 - Recorde O parque registrou o pior incêndio da sua história em 2007, quando o fogo atingiu um terço da área. Essa também foi a maior queimada nos 50 anos do DF.
2 - Especial Os aviões modelo Air Traktor reabasteceram na DF-441, próximo a Sobradinho, onde uma piscina inflável, com capacidade para 11 mil litros, era enchida a todo momento por dois caminhões-pipa.
CHAPADA DOS VEADEIROS TAMBÉM SOFRE Continua o incêndio que há dois dias consome a vegetação da Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso, região nordeste de Goiás. Mais de 26 mil hectares, o equivalente a cerca de 30% da reserva, haviam sido destruídos até a noite de ontem. Segundo o coordenador de Proteção Ambiental do parque, Luciano Faria, as esquipes aguardam melhores condições de vento e temperatura para continuarem o combate. Cerca de 40 brigadistas do Instituto Chico Mendes, órgão responsável pelo parque, e do Ibama, estão no local. Outros 32 bombeiros de Goiânia devem chegar hoje.
Faltam equipamentos
O incêndio no Parque Nacional de Brasília escancarou as deficiências do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal. Faltam caminhonetes para os militares se dividirem melhor e chegarem mais rápido aos locais em chamas. A corporação também carece de aeronave e caminhões que levem água às regiões mais distantes e acidentadas.
Com cerca de 350 homens, divididos na sede localizada no fim da Asa Norte e no batalhão de Taguatinga, o Grupamento de Proteção Ambiental do Corpo de Bombeiros perdeu metade dos veículos de combate a incêndio. A unidade tinha 20 picapes com tração nas quatro rodas ideais para estradas de terra até o ano passado. Mas 12 delas, modelos L200 Mitsubishi fabricados em 2000, foram leiloadas após não suportarem mais o serviço. Restaram oito Land Rover. Por causa de estragos de todo tipo e a consequente manutenção, a corporação conta com uma média de seis veículos por dia.
Cada picape carrega cinco militares e equipamentos. Equipe suficiente para combater incêndios de pequeno porte. No entanto, com a reduzida quantidade de veículos, os bombeiros têm tido dificuldades para atender todas as ocorrências e chegar ao cerrado antes das chamas virarem labaredas ou se espalharem para uma área maior. Se tivéssemos o número ideal de picapes, poderíamos atender todas ocorrências e evitar a propagação de incêndios, ressalta o comandante do Grupamento de Proteção Ambiental, coronel Odilio Domingos Oliveira Silva. A unidade especializada em combate a incêndio florestal deveria ter, no mínimo, 20 picapes 4x4, segundo o oficial.
As equipes de reforço são transportadas em dois ônibus e duas vans comuns, pesadas, lentas, incapazes de rodar em estradas estreitas e mal conservadas. Os bombeiros também não contam com caminhões e apoio aéreo adequados. Os modelos de caminhões de água do Corpo de Bombeiros são para combate a incêndio em área urbana. Não rodam em rodovias asfaltadas nem nas áreas rurais com segurança e, muito menos, entram em reservas ambientais. A corporação sequer tem caminhões-pipa.
Emergência Os bombeiros deverão ganhar dois aviões-tanque até a próxima seca. O capitão Helon Florindo, do 2° Esquadrão de Aviação Operacional, explicou que a compra ainda depende de parecer da Procuradoria do DF. Segundo ele, uma empresa canadense produzirá os aviões para a capital federal, do mesmo tipo das alugadas para combater o incêndio do parque. Só que são mais modernas, ressaltou. As aeronaves estão orçadas em mais de R$ 7 milhões. Uma deve chegar ao DF no fim deste ano, e a outra em 2011.
O governador Rogério Rosso, que sobrevoou o Parque Nacional ontem, apoiou a aquisição dos aparelhos. É impossível acreditar que Brasília, com seca e incêndio todo ano, não tem um avião-tanque. Isso revela falta de planejamento, afirmou. Rosso decretou Situação de Emergência no Distrito Federal, em razão do incêndio florestal. A medida Emergência vale por 60 dias, a partir de hoje.