Título: Ação do BCE eleva liquidez na Europa a nível recorde
Autor: Moreira,Assis
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2012, Finanças, p. C3
O balanço do Banco Central Europeu (BCE) fecha o ano com nível recorde de € 2,73 trilhões (US$ 3,55 trilhões), no rastro de suas tentativas desesperadas para ajudar os bancos da zona do euro que não conseguem ter acesso a "funding". De um lado, o BCE está comprando título de dívida soberana e emprestando muito dinheiro a bancos em dificuldade e isso aumenta seu ativo. Ao mesmo tempo, para pagar essas operações, o BCE cria moeda e isso aparece como passivo. No balanço de banco central, ativo e passivo são operações simultâneas.
Numa situação normal, a inquietação é que mais massa monetária causa inflação, quando mais dinheiro circula na economia e as pessoas começam a fazer mais despesas. Mas no caso atual na Europa, o aumento da quantidade de moeda não é inflacionário porque os bancos simplesmente guardam toda sua liquidez ao invés de emprestar para a economia real, em meio as incertezas e a própria fragilidade do sistema bancário.
Basta ver que o balanço do BCE expandiu € 239,4 bilhões somente na semana passada, e subiu 50% em seis meses. Muito desse crescimento é resultado da mega injeção de liquidez quase € 500 bilhões do BCE para bancos da zona do euro com prazo de três anos, há uma semana. Ocorre que uma ampla proporção desse dinheiro foi depositada de volta no BCE, mostrando o temor dos bancos com os riscos atuais.
"O aumento do balanço do BCE ainda está extremamente tímida", avalia o professor Charles Wyplotz, do Instituto Internacional de Altos Estudos de Genebra e um dos maiores especialistas mundiais em bancos centrais. "O Federal Reserve aumentou seu balanço em 300% em três anos e o Banco Central do Reino Unido em 200%. Ter um balanço elevado é considerado um fator positivo, porque reduz a pressão sobre os governos e os bancos comerciais numa situação de crise, dá liquidez quando os bancos estão em pânico", acrescentou.
Agora o balanço do BCE representa 29% do PIB da zona do euro, comparado a 20% no caso do Federal Reserve dos EUA e 33% do Banco Central do Japão. O BCE resistiu até agora a demandas para fazer aquisição maciça de títulos públicos dos países em dificuldades, como Espanha e Itália. Preferiu até agora colocar "graxa" no sistema financeiro da zona do euro com empréstimos baratos ilimitados e compra de títulos num montante bem aquém da "bazuca" esperada pelo mercado.
Mas seu balanço continuará inchando, ou seja, o BC continuará colocando mais liquidez no mercado nos próximos meses "porque muitos bancos europeus tem muitas dívidas que chegam a maturação com pouca possibilidade de ser refinanciada", como diz Michael Derks, economista chefe da consultora FxPro, de Londres.
O balanço do BCE é uma peça crítica para se examinar "como o banco está conduzindo a política monetária, como está fornecendo liquidez para bancos em dificuldade e ajuda a analisar o "puzzle" da dívida soberana e crise bancária", acrescenta Derks.
Para fazer face às tensões nos mercados monetário e de crédito, desde agosto de 2007 os BCs das principais economias tiveram que tomar uma série de medidas extraordinárias, como injeção de liquidez mais frequente e por prazo mais longo, que alterou profundamente o tamanho, composição e perfil de risco de seus balanços.
O balanço dos bancos centrais de economias desenvolvidas alcança hoje mais de US$ 8 trilhões, o equivalente a mais de 20% do PIB, e em alguns casos continua crescendo, de acordo com o Banco Internacional de Compensaçóes (BIS), espécie de banco dos BCs.
Também as reservas internacionais dos bancos centrais somente de emergentes na Ásia mais que dobrassem, de US$ 2 trilhões em 2006 para acima de US$ 5 trilhões atualmente, excedendo 45% do Produto Interno Bruto (PIB) e representando metade das reservas globais. Isso ocorre como maneira de proteção contra outros choques externos.
Nesse cenário, o BIS alertou para os riscos trazidos por essa expansão sem precedentes. Em seminário no Banco da Tailândia, Caruana, observou que a aquisição por bancos centrais de uma ampla gama de ativos financeiros em meio a crises, para manter estabilidade macroeconômica e financeira, implicou um aumento comparável no passivo doméstico.
Em vários países desenvolvidos, com taxas de juro próximas de zero, os programas em ampla escala de ativos se tornaram o mecanismo básico para prevenir quebradeiras. Mas também "aumentaram a exposição do balanço do BC à evolução do mercado", afirmou.
"Está claro que a grande expansão dos balanços dos BCs tem implicações para a economia real e o setor financeiro", acrescentou, notando que o BIS monitora de perto a situação.
Para Caruana, os bcs se tornam mais expostos ao desenvolvimento do mercado. Uma queda no valor de ativos estrangeiros ou alta nas taxas de juros de longo prazo pode reduzir o valor dos ativos, enquanto deixa intacto o valor do passivo. Para o BIS, em certo ponto o capital do banco central pode estar em risco, causar questionamentos políticos e minar a credibilidade da autoridade monetária.
Aponta riscos de grandes balanços da autoridade monetária causarem inflação, instabilidade financeira, distorções nos mercados financeiros e conflitos com os gestores da dívida pública.
Sem mencionar o BCE, Caruana nota que certos bcs poderão enfrentar escolhas "extremamente difíceis", diante dos desafios consideráveis na área fiscais por certos países. E sugere que os BCs examinem atentamente as amplas consequências econômicas de ampliação de seus balanços, como tambem como resolver os riscos potenciais dessa situação.
Para o professor Wyplotz, porém, se Caruana se mostra preocupado com aumento do balanço do BCE "é porque certamente não entendeu nada".