Título: Demissão permite à PF convocar a ex-ministra
Autor: Iunes, Ivan; Pariz,Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 17/09/2010, Política, p. 2

Principais envolvidos nas denúncias de favorecimento ilícito serão ouvidos a partir da próxima semana. Erenice perdeu foro privilegiado

A Polícia Federal vai começar, a partir da próxima semana, a analisar os contratos firmados por parentes de Erenice Guerra, ex-ministra da Casa Civil, com vários órgãos da União. Desde a terça-feira, quando o inquérito foi instaurado para apurar supostas irregularidades nas negociações de Israel Dourado Guerra filho de Erenice, a PF analisou os documentos e indícios mostrados pela imprensa e vai dar início aos depoimentos dos principais envolvidos. A ex-ministra poderá ser convocada a depor, caso haja indícios de sua participação no caso. Desde ontem, com sua saída da estrutura governamental, ela perdeu o direito a foro privilegiado.

A PF já tem praticamente definida a linha de trabalho, que começará por análises de contratos supostamente firmados por Israel com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e com os Correios. Além disso, vai requerer ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) informações sobre atuação do filho da ex-ministra em intermediações de financiamento de projetos. A estratégia que a Polícia Federal montou é juntar os documentos que formaram as denúncias da imprensa. Na próxima semana, começarão os depoimentos e a verificação de contratos com os órgãos citados, explica um delegado envolvido nas investigações.

Israel Guerra é suspeito de ter praticado advocacia administrativa e tráfico de influência(1), ao supostamente usar o nome e o cargo da mãe para intermediar negócios. Ele é um dos sócios da Capital Consultoria, empresa que teria tido atuação em favor de uma empresa aérea para fechar contratos com os Correios. Ontem, Israel foi acusado por um empresário de Campinas de ter intermediado um contrato com uma firma do setor de energia alternativa com o BNDES, no qual receberia um percentual sobre os recursos liberados. O negócio, segundo o denunciante, não se concretizou. Mesmo assim, a PF irá pedir informações sobre o caso ao banco oficial. Além de avaliação dos contratos e projetos que seriam encaminhados ao BNDES os investigadores podem solicitar quebras de sigilo bancário e fiscal.

Convocação

Descartada no início da semana, a possibilidade de Erenice Guerra depor sobre as acusações contra seu filho passou a ser tratada como mais factível entre os investigadores. Antes, por ser ministra, ela não poderia ser investigada sem a autorização do procurador-geral da República e do Supremo Tribunal Federal (STF). O motivo do inquérito são as denúncias, mas se houver indícios de sua participação no caso, iremos convocá-la, afirma a fonte policial. Teremos que ter a convicção de sua participação, já que a Polícia Federal investiga fatos e não pessoas, acrescenta.

Os investigadores acreditam que a apuração possa ir além dos 30 dias, tempo de duração de um inquérito, que pode ser renovado pelo mesmo período. Em um mês a PF pretende tomar os depoimentos dos principais envolvidos, que são Israel e os empresários com quem supostamente fez negociações. Na segunda fase, a Polícia Federal vai fazer os cruzamentos das informações obtidas.

1 - Em busca de vantagens

Advocacia administrativa é quando um funcionário público favorece, direta ou indiretamente, um interesse privado. A pena para esse tipo de crime varia de um a três meses de prisão, além de multa. O que a PF vai avaliar é se, mesmo não sendo servidor público concursado, Israel teria usado o prestígio da mãe para fazer consultorias e cobrar comissões. O tráfico de influência é um crime maior. Caracteriza-se quando uma pessoa aceita favores ou presentes para adquirir vantagens financeiras ou profissionais. A pena varia de dois a cinco anos de prisão, além de multa.

"O motivo do inquérito são as denúncias, mas se houver indícios da participação de Erenice no caso, iremos convocá-la Delegado envolvido na apuração

Casa Civil, foco de polêmicas

O rolo mais recente

Tráfico de influência dentro da Casa Civil, comandado pelo filho de Erenice, Israel Guerra, foi a primeira denúncia. Reportagem da revista Veja publicada no domingo mostrou que Israel teria feito lobby para a Master Top Linhas Aéreas (MTA), empresa do ramo de aviação que contratou a Capital Assessoria para agilizar a renovação do contrato com os Correios. A comissão pelo serviço teria sido de R$ 5 milhões. Erenice teria se encontrado com o representante da MTA.

Uma auditoria da Controladoria-Geral da União aponta um irmão de Erenice, José Euricélio Alves, como responsável pelo desvio de R$ 5,8 milhões da editora UnB. O dinheiro foi usado para pagamento de servidores fantasmas, entre eles o próprio Euricélio e Israel Guerra, filho de Erenice.

Reportagens do Correio revelam a influência da família Guerra em postos da administração federal e do GDF. A irmã de Erenice, Maria Euriza, foi consultora jurídica da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e autorizou a contratação sem licitação do escritório Trajano e Silva Advogados, onde trabalha outro irmão de Erenice, Antônio Eudacy Alves.

Israel Guerra era lotado na Terracap, empresa do GDF, e recebia R$ 6,8 mil, mas não aparecia no trabalho. Esteve antes no Ministério da Cultura, no Ministério Público do DF e na Agência Nacional de Aviação Civil, como o Correio mostrou ontem. Após deixar a UnB, José Euricélio foi secretário executivo do comitê consultivo de políticas públicas do uso e ocupação do solo no GDF.

Erenice foi acusada também de usar o filho como laranja para abrir uma empresa de arapongagem e de ter sido sócia de outras duas empresas enquanto ocupava cargos no governo.

Ontem, o jornal Folha de S. Paulo mostrou que Israel Guerra pode ter atuado em mais um caso de lobby, dessa vez na intermediação de um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Outros episódios

Em 2004, o então subchefe da Casa Civil para Assuntos Parlamentares, Waldomiro Diniz, é flagrado em um vídeo recebendo propina e pedindo doações para campanhas do PT e de aliados. Diniz era braço direito do ministro-chefe da Casa Civil na época, José Dirceu.

Em 2005, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, é obrigado a deixar o cargo depois que o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) o acusa de chefiar um esquema de mesada a parlamentares no Congresso. O caso ficou conhecido como Mensalão.

Em 2008, depois que abusos nos gastos com cartões corporativos foram divulgados, a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, teria montado, como resposta à oposição, um dossiê sobre gastos pessoais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e da ex-primeira-dama Ruth Cardoso. À época, a presidenciável pelo PT, Dilma Rousseff, era a chefe da pasta.

Ano passado, Erenice Guerra teria ido, a mando de Dilma Rousseff, ao gabinete da então secretária da Receita Federal, Lina Vieira, para forçar o término das investigações do Fisco sobre a família do presidente do Senado, José Sarney.