Título: Para especialistas, após dez anos lei das teles precisa de ajuste
Autor: Magalhães, Heloisa
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2006, Empresas, p. B3
A ameça de intervenção pelo Ministro das Comunicações, Helio Costa na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) alimenta o debate no setor não só em torno da tendência do Governo Lula de reduzir a independência das agências reguladoras como, também, leva à indagação se a Lei Geral das Telecomunicações (LGT) está ou não adequada ao perfil do setor quase dez anos após a sua elaboração.
O Valor ouviu ex-presidentes da Anatel, um ex- ministro das Comunicações, presidentes de operadoras e advogados. A constatação foi que a LGT realmente precisa de ajustes. A atual legislação não trata, por exemplo, da chamada convergência, a transmissão de dados, voz e imagem na mesma rede. Mas, em paralelo, há a preocupação de que, caso o PT continue no poder, como mostram as pesquisa de opinião, no ambiente de ajustes na LGT abra-se a oportunidade para reduzir as atribuições e a independência da agência reguladora amparada na lei.
O ex-presidente da Anatel, Luiz Guilherme Schymura, é taxativo: "Morro de medo de mexerem no papel das agências reguladoras. De repente, podem torná-las departamentos dos ministérios, o que seria um retrocesso", diz Schymura que desde que deixou a Anatel, em 2004, comanda o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas.
O presidente da Telefônica, Fernando Xavier, que presidiu a Telebrás até a privatização e participou de todo o processo de planejamento de privatização do setor, avalia que não é necessário mexer na LGT: "Independente da discussão se há ou não questões que exijam ajustes, nenhum deles é essencial ao ponto de necessitar uma modificação na legislação, as adaptações e adequações necessárias podem ser resolvidas através de regulamentação", diz.
Já Renato Guerreiro, que presidiu a Anatel desde a criação da agência em 1996 até 2002, afirma que o que falta é projetar o futuro: "Falta o governo definir um rumo. Em 1996, foi elaborado um plano para dez anos, estabelecendo o que se queria alcançar até 2005. Muitas metas foram atingidas, outras não, mas tínhamos uma visão de longo prazo. Agora não. Não sabemos onde queremos chegar nos próximos dez anos", afirma.
Guerreiro lembra que os serviços que envolvem transmissão de imagens, por exemplo, são novos, não existiam quando a lei foi formulada. "O governo precisa liderar um processo de reflexão do que quer nas telecomunicações, com objetivos definidos. Aí é que se deve avaliar se é preciso mexer na lei ou não", afirma Guerreiro.
Outra questão que vem suscitando dúvidas é se a Anatel estaria ultrapassando suas atribuições, ao ponto do ministério avaliar que deve intervir na agência. Para Guerreiro "como falta rumo todo mundo fica tateando e às vezes fazendo mais do que deve. A Anatel acaba supondo que o rumo é a continuidade do estabelecido para o período entre 1996 a 2005", avalia.
Schymura complementa dizendo que não acha apropriada a ameça de intervenção do Ministério das Comunicações na Anatel em torno do leilão das freqüências para internet de banda larga sem fio (WiMax). A agência, segundo ele, dentro de suas atribuições, estabeleceu que as concessionárias podem disputar apenas as áreas fora da região geográfica de atuação. As teles e o ministério discordam. Este último defende que com as concessionárias poderiam estabelecer exigências de universalização do serviço.
"O ministério quer interferir no processo licitatório mas sem apresentar um projeto de inclusão social. Ele poderia fazer isso mas deveria antes ter solicitado uma faixa de freqüência para implementar sua proposta, não depois da Anatel ter feito um estudo detalhado e cuidadoso. É uma interferência perigosa", diz Schymura, lembrando que a agência tem autonomia amparada pela LGT.
Juarez Quadros, ex-ministro das Comunicações no governo FHC afirma que as atribuições da Anatel estão muito claras na lei e não identifica qualquer movimento que a agência esteja exacerbando suas funções.
"O que acontece é que as leis do setor divergem entre si. A tecnologia é convergente mas as leis são divergentes", diz. Ele e os demais especialistas ouvidos pelo Valor acham que está faltando ao país uma Lei de Comunicação de Massa, que trate de temas que já causam impasses, como as regras para transmissão de conteúdo nas redes de telecomunicações.
Quadros cita como exemplo de incoerência o fato da LGT não estabelecer limite de capital externo nas empresas enquanto existe nas operadoras de TV a cabo. E em outros serviços de TV paga, como MMDS ou satélite, não há limitações, pois são enquadrados como serviços de telecomunicações.
"Do ponto de vista da legislação, é discutível se a Telemar pode ter uma empresa de TV a cabo (em agosto, comprou a Way TV em Minas Gerais). A lei de TV a cabo estabelece limitações para as concessionárias de telefonia como operadoras do serviço. O contrato de concessão da telefonia fixa também estabelece limitações", informa.
Entretanto, para o presidente da Telemar, Luis Eduardo Falco, tudo isso é um "anacronismo total". Ele diz: "O modelo fez sentido em algum momento mas não faz mais. Por que a Telemar não poder competir com a Telmex (que controla a concessionária Embratel e é acionista da Net)? É uma simetria regulatória esquisita. Algumas coisas que fizeram mais sentido no passado não fazem agora", afirma.
Falco diz que a Telebrasil, que representa empresas do setor, está preparando um documento para entregar ao novo governo com propostas de uma política para os próximos anos: "Será uma proposta para dar uma direção que tem que ser misturada com desejos de Estado e da sociedade", afirma. O executivo da Telemar destaca que se o país quer fazer alguma coisa do ponto de vista social deveria atuar para implementar o uso dos recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust), que jamais foi utilizado.
O Valor procurou o Ministério das Comunicações para obter informações sobre os planos do governo no setor. Até o fechamento desta edição não houve retorno.