Título: Publicidade começa a descobrir os segredos do consumidor típico
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2006, Empresas, p. B6
Dois anos atrás, era impossível escapar do metrossexual. Ele estava em toda parte, com seu terno risca de giz Paul Smith, corte de cabelo de US$ 100 e bronzeamento artificial. Essa personificação passou de tal forma a fazer parte do espírito do momento, que alguns homens comuns começaram a se perguntar se não seriam metrossexuais. Ele parecia ser descolado e urbano. As mulheres, dizia-se, o amavam porque ele cheirava bem e sabia distinguir gabardine de sarja. E se um homem não era um metrossexual, ele corria o risco de ser taxado de alter ego do metrossexual: o retrossexual, o cara que jamais seria pego usando uma roupa de cor verde reluzente.
Na Era do Metrossexual, a compra determinada ("eu sei o que quero e sei onde conseguir") estava por fora. Uma visita à Barneys ou à Nordstrom tornou-se uma indulgência estilística. Das agências de publicidade de Nova York surgiram vários anúncios voltados ao novo e vaidoso consumidor masculino. E as pessoas de avental branco nos laboratórios ficaram bem ocupadas criando loções e poções com nomes como Nívea for Men Revitalizing Eye Relief Q10.
Agora, a publicidade americana voltou-se para o metrossexual. Por quê? Porque ele é metade do homem que deveria ser. Esse arquétipo não só é feminino demais para a maioria dos homens, como também é bastante raro - talvez um quinto da população masculina dos EUA, segundo um estudo recente feito pela Leo Burnett. O retrossexual, astro das pouco sutis propagandas de cerveja, também não é comum. Junte todos os metros e retros e eles, provavelmente, representarão menos de dois em cada cinco homens.
Portanto, quem é o homem difícil de compreender que está no meio dos dois extremos? A verdade é que só agora os publicitários começam a entender os segredos do consumidor masculino. É óbvio que, assim como as mulheres, os homens também se dividem em subsetores. Ao se voltar apenas para os metrossexuais e os retrossexuais, a publicidade americana ignora metade da população masculina. Bastante esquecidos estão os milhões de pais da era baby boom (que vai do final dos anos 40 até início dos 60), que compram bem mais que seus pais ou avôs.
Freqüentemente subestimado é o exército de homens na casa dos 20 e 30 anos que cuidam da aparência, mas ainda assim gostam de beber uma cervejinha e assistir esportes na TV. O adolescente é também um grande comprador, um consumidor sofisticado com habilidade para pesquisar na internet, o que lhe dá um grande poder de decisão nas compras da família.
O desafio será atingir esses homens e ir além do pesado foco nos extremos. "Os homens são mostrados como bufões e imaturos, ou como afeminados e sensíveis", diz Ver Frederick, que preside a marca de cerveja Miller Lite. "A maioria está em algum lugar no meio desses extremos, e esses homens não estão sendo alcançados." É sério. Segundo a Leo Burnett, 79% dos homens americanos dizem que mal se reconhecem nos anúncios.
A criação do metrossexual deveria ter retificado o problema ao falar com uma geração de homens que adotou muitos papéis tradicionalmente femininos e, sim, compra muitas coisas - fraldas, cremes para a pele, aspiradores de pó - que as mulheres compram há muito tempo. Considere a explosão da vaidade masculina, que levou as vendas dos produtos voltados apenas para homens a crescer 14% em 1995, segundo a NPD Group. E nos últimos anos, o crescimento médio das vendas de roupas para homens vem se mantendo firme, superando, em alguns anos, até mesmo o crescimento das vendas de roupas femininas.
Com o metrossexual perdendo sua mágica, marqueteiros e pesquisadores estão agora correndo para criar uma visão mais sutil do consumidor masculino. E várias empresas estão correndo como nunca atrás dos homens. A KB Home está construindo condomínios para homens solteiros. A Adidas e a Coca-Cola estão acelerando seus esforços para conquistar os adolescentes. E a Dyson, fabricante do revolucionário aspirador de pó britânico de mesmo nome, é um sucesso entre os papais da geração do baby boom.
É uma mudança. Afinal, os homens vêm sendo deixados meio que de lado pelo marketing há mais de um século. No fim da década de 1880, quando as revistas "Good Housekeeping" e "Cosmopolitan" começaram a ensinar gerações de mulheres a serem mães e donas-de-casa classe A, os gerentes de marcas começaram a mirar nessas consumidoras. Desde então, eles se tornaram inflexíveis nesse alvo. " ´Ele faz. Ela compra´: este é o cálculo que transformou mulheres em compradoras e homens em provedores", diz James B. Twitchell, que ensina inglês e propaganda na Universidade da Flórida.
E se é algo confuso tentar vender coisas aos homens, isso se deve em parte ao fato de que muitos homens também são confusos. A sociedade mudou muito, obscurecendo as noções de identidade por sexo. As mulheres não só se firmaram no trabalho e em casa, desde a década de 60, como também bastiões dos vínculos masculinos - a barbearia, o clube de golfe, o exército - se tornaram em grande parte unissex , o que representou um encolhimento do habitat masculino que Twitchell aborda em seu livro, "Where Men Hide" (numa tradução literal, "Onde os Homens se Escondem"). Mulheres estão agindo como homens e homens estão agindo como mulheres.
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É claro que grandes rincões da masculinidade continuam desafiadoramente machistas. Mas os homens mais jovens - aqueles na casa dos 20 a 30 anos - cresceram num mundo onde as mulheres têm um poder cada vez maior. Com quase metade de todos os casamentos realizados nos EUA fracassando, muitos desses homens foram criados por uma mãe solteira. Como cresceram nesse ambiente, é natural que adotem mais traços da mãe, seus interesses e hábitos do que seus antecessores. "Os homens com menos de 35 anos compram mais à maneira de suas irmãs do que de seus pais a avôs", diz Wendy Liebmann, presidente da WSL Strategic Retail. "Eles compram nos mesmos tipos de lugares; não são pessoas que entram e saem rapidamente das lojas, e sim pessoas que gostam de pesquisar e que usam as compras como uma experiência comunitária."
É por isso que a publicidade americana abraçou com tanto ímpeto o metrossexual no fim de 2003. De onde ele veio? Assim como muitos indivíduos que se preocupam em estar na moda, o metrossexual nasceu no Reino Unido. O escritor Mark Simpson, que se auto-descreve como o "Oscar Wilde skinhead", cunhou o termo em meados da década de 1990 para descrever uma nova espécie de consumidor narcisista. Não foi uma denominação lisonjeira.
Quando o metrossexual surgiu nos EUA, dez anos depois, ele era uma figura muito mais simpática. Em quatro meses, o metrossexual passou de assunto de um artigo pouco convencional do "The New York Times" a um fenômeno cultural digno de ganhar até mesmo um episódio do desenho animado "South Park". Ah, é claro, e ele adquiriu a persona feminina com a qual nos familiarizamos.
Conforme os autores de "South Park" sabiam instintivamente, o metrossexual eram um bom motivo de gozações. Para muitos homens heterossexuais, o termo carrega uma conotação gay. Para os machões, o termo metrossexual se soletra "s-i-s-s-y" (maricas, outra designação para gay). E até mesmo homens confortáveis com seu lado feminino relutam em se classificar de metrossexuais. Veja só o caso de Mick Malisic. Esse diretor de marketing de 32 anos não se importa em gastar US$ 1.500 em um terno feito sob medida e circular pela loja da Ralph Lauren em Palo Alto (Califórnia), às vezes por períodos de 90 minutos. Quando conversamos com ele, ele tinha cinco pares de calças folgadas de US$ 500. Mas falava como um metrossexual relutante. "Se eu olhar de longe, acho que sou um deles."
Não importa o quão imperfeito, o rótulo metrossexual reflete mudanças reais no comportamento de compras dos homens. Sim, é verdade que a revista "Cargo" (dedicada a produtos para homens) parou de circular no começo deste ano, e "Queer Eye for the Straight Guy" (programa de TV no qual um grupo de homossexuais orienta um heterossexual a ficar mais elegante e educado) viu sua audiência despencar. Mas isso não quer dizer muita coisa. Os anos 1990, afinal de contas, produziram as revistas para rapazes "FHM", "Maxim" e "Stuff". Essas publicações são as variantes masculinas de "Good Housekeeping" e "Vogue".
A edição de agosto da revista "Men´s Health" (cujo lema é: "um monte de coisas úteis") é bem eloqüente. Duas em cada cinco páginas editoriais chamam atenção para produtos de marca - suplementos dietéticos, roupas, câmeras fotográficas, churrasqueiras. Isso em 100 páginas de anúncios convencionais que tentam separar os leitores de seus talões de cheques. A mensagem parece estar colando. Um estudo encomendado pela revista "GQ" constatou que hoje 84% dos homens compram suas próprias roupas, em comparação a 65% quatro anos atrás. E 52% das lojas pesquisadas disseram que seu cliente típico do sexo masculino compra na loja pelo menos uma vez por mês, número que em 2001 era de 10%.
Em nenhum lugar os marqueteiros estão correndo atrás dos homens com maior assiduidade que no ramo dos cuidados pessoais. Nada mais natural, uma vez que há muito tempo os homens usam loções pós-barba e águas de colônia. Cremes hidratantes e de cuidados com a pele são um pequeno passo à frente na zona de conforto masculina. E em muitos casos, esses produtos são vendidos sob o rótulo de saúde e forma física. Finalmente, marcas como Axe vêm empregando uma tática que funciona há muito tempo: "Prometemos que se você usar este produto, as mulheres o acharão irresistível".
As vendas na área de cuidados pessoais não só estão crescendo bastante, como as companhias deverão lançar em 2006 cerca de 800 novos produtos voltados apenas para os homens, segundo a consultoria Datamonitor, um número que quatro anos atrás foi de 459.
Pirooz Sarchar e Michael Gilman estão conduzindo a onda dos produtos de cuidados pessoais. Oito anos atrás e com apenas US$ 5 mil, a dupla começou um negócio na área de cuidados com a pele para homens. Hoje, eles faturam US$ 4 milhões nas duas Grooming Lounges existentes na área de Washington, e com a venda de produtos pela internet. Um cliente típico: Greg Gary, que trabalha com vendas na empresa de recurtamento Spherion, e possui manicures e pedicures regulares. Gary, 35, sentia-se deslocado nos spas e salões unissex. Mas isso não acontece no Grooming Lounge, onde se pode beber álcool e assistir jogos no canal de TV ESPN. "O que mais alguém poderia querer?" (Esta é a primeira parte da série especial sobre o consumidor masculino)