Título: Euro forte e falta de novos modelos atingem as européias
Autor: Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2006, Empresas, p. B8

Desde que as grandes empresas automotivas européias colocaram a casa em ordem e voltaram a lucrar há cerca de dez anos, suas maiores preocupações vinham sendo o lento crescimento da demanda e as regras cada vez mais estritas sobre emissões de poluentes das autoridades reguladoras na Europa. Agora, ambos temores comprovam que eram justificados. Nesta semana, Bruxelas, sede da União Européia, ameaçou ser mais rígida com as montadoras, depois de ter ficado evidente que o setor não conseguirá alcançar a redução, voluntária, de 25% nas emissões de dióxido de carbono prometidas até 2008. Ao mesmo tempo, o clima econômico deu uma reviravolta, para pior.

Apenas a Fiat, saindo de uma experiência quase mortal, goza de uma recuperação instigante, em grande parte devida ao sucesso do Punto. As demais grandes montadoras, no entanto, estão em dificuldade. A força do euro corrói os lucros provenientes das exportações alemãs para os Estados Unidos e os custos trabalhistas inchados nas fábricas da Volkswagen espremem as margens de lucro na Europa. O par francês, Peugeot e Renault, vem sendo afetado por vendas mornas, linhas de modelos que estão envelhecendo e pelo aumento nos preços das matérias-primas. Além disso, tem de lidar agora com a forte concorrência da japonesa Toyota.

As margens de lucro operacional da Renault caíram de forma alarmante no primeiro semestre do ano. Embora o modelo Logan, para a faixa mais baixa do mercado, esteja bem, o Modus, um carro compacto familiar, fracassou. Carlos Ghosn, chefe da Renault, tem um plano de recuperação, incluindo novos modelos e incursões no setor de carros de luxo - onde a Renault produziu uma série de fiascos excêntricos nos últimos anos. Caso os problemas piorem, Ghosn poderá ter de reduzir a capacidade de produção. Será difícil. O Estado francês possui 15% da Renault e governo treme em pensar em enfrentar os poderosos sindicatos locais. A reputação de Ghosn após a lendária recuperação da Nissan indica que ele pode recuperar a montadora francesa e devolvê-la à sua boa forma. Há, no entanto, distrações em seu caminho: além de administrar a Renault e Nissan, ele busca alianças com General Motors e Ford nos Estados Unidos.

Os problemas da Peugeot são similares. Os especialistas, entretanto, acreditam que a montadora poderá se recuperar nos próximos dois anos. Renovará metade de seus modelos e começou a produzir com baixos custos no Leste Europeu.

As nuvens mais negras, talvez, pairem sobre a Volkswagen. Por fora, parece que a líder de mercado na Europa segue de vitória em vitória. Acaba de elevar sua participação de mercado para 19,2%. A montadora, contudo, tenta reduzir custos e convencer seus trabalhadores nas fábricas alemãs a trabalhar mais horas diárias pelo mesmo salário. As negociações com os sindicatos estão por começar. Neste ano, a empresa havia revelado que precisava cortar 20 mil empregos na Alemanha para melhorar a produtividade, apesar das promessas anteriores de não demitir funcionários.

O impacto dos altos custos laborais é sentido mais seriamente nos Estados Unidos, onde a Volkswagen perdeu quase US$ 1 bilhão no ano passado. Os carros vendidos no país são fabricados na Alemanha, com os custos ainda mais inflados pela taxa de câmbio desfavorável, e no México. Os funcionários mexicanos, cientes do poder de barganha que isso lhes confere, pressionam por aumentos salariais.

Apesar desses receios, o lucro operacional da Volkswagen é impressionante. Totalizou 2 bilhões de euros no primeiro semestre, 56% a mais do que no mesmo período do ano passado. O desempenho, entretanto, deve-se em grande parte à Audi, a cada vez maior marca de luxo da Volkswagen. O contraste entre os problemas da Volkswagen e o sucesso da Audi poderia ter maiores conseqüências. Ferdinand Piëch, ex-executivo-chefe da Volkswagen e agora presidente do conselho de administração, não faz segredo sobre seu desejo de tirar seu sucessor Bernd Pischetsrieder do posto. Piëch corteja os dez representantes sindicais e dos trabalhadores no conselho, ciente de seu descontentamento com os planos de corte de empregos e salários. Ele está em uma posição poderosa. Ele e sua família são os maiores acionistas do grupo Porsche, que por sua vez é a maior acionista da Volkswagen.

É difícil dizer até que ponto isso melhorará a sorte da empresa. Afinal, os principais problemas da Volkswagen desenvolveram-se sob o comando de Piëch. Os grandes acionistas, especialmente nos Estados Unidos, estão perdendo a paciência com a complicada governança corporativa da Volkswagen. O maior grupo automotivo da Europa pode estar se dirigindo a uma colisão.