Título: A OMC e o desenvolvimento do comércio sino-brasileiro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2012, Opinião, p. A12

Desde que a China ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, sua relação comercial com o Brasil cresceu tremendamente. O país asiático se tornou o maior e o mais importante parceiro comercial brasileiro, conforme anunciado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante visita oficial ao presidente chinês Hu Jintao, em maio de 2009, em Pequim.

Nos últimos dez anos, o comércio bilateral entre Brasil e China aumentou mais de 18 vezes, alcançando a cifra de US$ 36,9 bilhões em 2009, e com um crescimento exponencial de 56% entre 2009 e 2010, atingindo US$ 56,3 bilhões o valor total do comércio bilateral.

Essa relação sul-sul, desenvolvida entre esses gigantes países emergentes, especialmente em termos de cooperação econômica e parceria comercial, criou uma oportunidade única para ambos os lados em infraestrutura, agronegócio, mineração, petróleo e gás, alta tecnologia, maquinário e automóveis.

O Brasil exporta basicamente commodities para a China, tais como minério de ferro (57,13% em 2010), petróleo (16,95%) e soja (12,83%), enquanto que a China exporta principalmente produtos manufaturados para o Brasil, como, por exemplo, máquinas, equipamentos e materiais elétricos, além de reatores e equipamentos nucleares. Ainda assim, cerca de 55 empresas brasileiras já começaram a investir na China, sendo 90% por meio de escritórios de representação e 10% com "joint ventures" e subsidiárias integrais internacionais. Ao passo que cerca de 50 empresas chinesas já estabeleceram seus escritórios e fábricas em território brasileiro, principalmente por meio de fusões e aquisições parciais (56%), investimentos em projetos greenfield (23%), fusões e aquisições totais (21%) e "joint ventures" (10%).

Os principais desafios enfrentados pelas empresas brasileiras que investem na China são basicamente: 1) tolerância em relação a prazos, cultura de negócios, valores e tradição, 2) paciência e 3) modificação da filosofia corporativa, alterando a mentalidade nos negócios para desenvolver seus produtos e serviços, visando não só a exportação, mas também o atendimento do mercado interno chinês, ávido por consumo.

"Pensando globalmente, mas agindo localmente" se tornou adágio popular entre as empresas multinacionais na China. Porém, devido ao ambiente peculiar de negócios no país, os empreendedores brasileiros precisam aprender a lição de "primeiro construir o relacionamento", conceito-chave para ser bem-sucedido na China, além da necessidade de se empenharem em participar de encontros informais com os colegas chineses.

Por outro lado, os principais desafios enfrentados pelas empresas chinesas que investem no Brasil são, na maioria das vezes: 1) o ambiente jurídico, particularmente o complexo sistema tributário e os procedimentos para vencerem uma licitação, 2) o impacto da responsabilidade corporativa e ambiental em suas decisões comerciais e 3) os prazos para cumprimento da agenda de negócios, devido à exigência de licenças operacionais e aprovações de projetos perante os órgãos e departamentos governamentais brasileiros.

Os empreendedores chineses encontram diversas dificuldades no Brasil, desde a compra de terras em áreas rurais, aquisição de direitos para exploração de minas até o cumprimento de todas as leis e regulamentos estabelecidos pelo governo brasileiro, tais como a nova alíquota de IPI, que pretende aumentar em 30% para os automóveis que não tiverem 65% do processo produtivo concluído no Brasil ou nos países do Mercosul, entre outras condições.

Nesse sentido, Brasil e China ainda precisam ter um melhor entendimento mútuo, que pode ser conseguido por meio da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), criada em 2006, sob a supervisão dos vice-presidentes de ambos os países. A entidade visa desenvolver e fortalecer a relação bilateral em 11 assuntos diferentes, entre eles a cooperação comercial e econômica, de acordo com o Plano de Ação Conjunta (2010-2014).

A tensão econômica ocorre naturalmente em decorrência do crescimento do comércio bilateral. Entretanto, desenvolver canais bilaterais de comunicação como a Cosban pode diminuir o desconhecimento, melhorando o diálogo e podendo ser uma alternativa para reduzir a proteção comercial entre as duas nações, como, por exemplo, a aplicação de medidas antidumping, dentre outras medidas compensatórias, muitas vezes excessivamente protecionistas ao mercado doméstico, já que essas são apenas medidas provisórias para o crescimento inevitável do comércio bilateral entre essas economias emergentes, particularmente nas ricas oportunidades de benefício mútuo, tais como a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016, que serão sediadas no Brasil.

Desde "Brasil-China: novas oportunidades para parceria estratégica", criado durante o mandato do ex-presidente Lula, até "Brasil-China: além da complementaridade - parcerias para benefícios mútuos", criado já no mandato da presidente Dilma Rousseff, o governo brasileiro também está envidando seus melhores esforços para obter uma reação proativa e desenvolver uma relação estratégica de longo prazo com a China, não apenas visando a cooperação, mas também a parceria, definindo políticas para o melhor desenvolvimento dessa relação bilateral.

Definitivamente, desde que a China ingressou na OMC, diversas oportunidades de negócios foram criadas para os dois países. Entretanto, o entendimento mútuo e a troca de conhecimento são ainda essenciais para uma relação bilateral harmoniosa e para o desenvolvimento de um ambiente comercial favorável para ambos os países emergentes.

José Ricardo dos Santos Luz Jr. é advogado, sócio do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados em Pequim.