Título: Economia é destaque na eleição nos EUA e deve ajudar democratas
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Fonte: Valor Econômico, 01/09/2006, Internacional, p. A12
Os EUA começam a se despedir do verão neste fim de semana com churrascos gigantes, megaliquidações e grandes engarrafamentos. Políticos de todo o país beijarão bebês e farão discursos eleitorais em cima de fardos de palha. O Dia do Trabalho, feriado que nos EUA é celebrado na primeira segunda-feira de setembro, marca o início não oficial da campanha das eleições legislativas no país, previstas para o dia 7 de novembro.
A data de início pode se revelar bastante adequada. Depois de o terrorismo e a segurança nacional terem dominado as eleições de 2002 e 2004 (os EUA realizam eleições para o Congresso a cada dois anos), parece que agora a economia e, particularmente, o bem-estar dos trabalhadores terão um papel maior neste ano. Os dois partidos contam em se beneficiar disso.
A estratégia do Partido Republicano (do presidente George Bush) neste ano vem sendo desviar a atenção dos eleitores da bagunça no Iraque e destacar o forte desempenho geral da economia. O desemprego está baixo; a produtividade, alta; o crescimento da produção, forte. A economia está em melhor estado do que em 2004, dizem os marqueteiros republicanos. Deveria, portanto, ajudar o partido.
Os democratas discordam. O crescimento pode, de fato, ser maior, admitem, mas elevou os lucros empresariais e os salários apenas dos que estão nas classes mais elevadas, enquanto a remuneração da maioria continua estagnada. Com os benefícios da expansão tão limitados ao capital e aos ricos, argumentam, centrar-se na economia ajudará os democratas.
Quem está certo? A história pode ser um guia imperfeito. O economista Ray Fair, da Universidade Yale, elaborou uma famosa equação que relaciona o resultado das eleições presidenciais à inflação e crescimento da produção. As eleições legislativas realizadas no meio do mandato presidencial, como a deste ano, são mais obscuras.
A divisão do governo é um dos motivos. O Congresso é, freqüentemente, controlado por um partido diferente do do presidente, o que tira das eleições de meio de mandato o caráter de referendo da política econômica. Além disso, temas locais normalmente ganham mais importância do que a economia nacional quanto o assunto é eleger um deputado ou senador.
As evidências das pesquisas não são claras. Segundo pesquisa recente do instituto Gallup, apenas 39% dos consultados aprovam a gestão da economia do governo Bush, quase 10 pontos percentuais a menos do que em 2004. Cerca de 70% vêem uma piora nas condições econômicas. Em 2004, eram menos da metade. Dito isso, a percepção nos EUA sobre o estado da economia não mudou muito.
Tanto em 2004 como agora, pouco menos de 40% das pessoas diziam que a situação era excelente ou em boa; percentual muito maior do que em 1994, quando o controle do Congresso mudou de mãos em uma ampla vitória dos republicanos.
O aumento no partidarismo também distorce as percepções sobre a economia. O percentual de republicanos que vêem a economia em bom estado é mais do que o dobro do dos democratas. Para Gary Jacobson, da Universidade da Califórnia em San Diego, apenas uma pequena parte dessa diferença pode ser atribuída ao fato de que os republicanos tendem a ser mais ricos e, portanto, a se beneficiarem mais da atual expansão. Muito mais preponderante, afirma, é a tendência partidária.
Apesar disso, é difícil ver como os republicanos poderiam ganhar algo numa campanha em que a economia aparece com importância. Como controlam a Presidência e o Congresso, todo o desconforto econômico pode ser despejado no partido. Embora o desemprego seja menor agora do que em 2004, a inflação é maior: os preços ao consumidor subiram 4,1% no ano encerrado em julho. Agregue o desemprego à inflação e o "índice de miséria" atual gira em torno a 9%. É o mesmo de novembro de 2004 e, surpreendentemente, é maior do que em novembro de 1994.
Os economistas vêm se mostrando relativamente despreocupados com a recente alta da inflação, em parte porque ela é puxada pelo aumento na energia, que quase não se traduziu em alta generalizada de preços. Os eleitores, que se sentem mais pobres cada vez que param nos postos de gasolina, podem ser menos tolerantes.
Ainda mais importante é o fato de que a economia em geral claramente desacelerou. À medida que o mercado residencial vai estagnando, a maioria dos economistas prevê desaceleração na produção. Uma barulhenta minoria até fala em recessão em 2007. Dados divulgados nesta semana pelo instituto Conference Board mostraram que a confiança do consumidor em agosto atingiu o pior nível em nove meses. Mais más notícias deverão surgir na campanha eleitoral.
Por fim, os democratas estão certos ao dizer que a atual expansão mostra uma desconexão entre os ganhos gerais da economia e a situação da maioria nos EUA.
O panorama geral sobre a economia do Birô do Censo, divulgado nesta semana, deixa isso bem claro. A renda da típica família americana - a que está bem no meio da faixa de renda - subiu 1,1% em 2005, depois de cair por cinco anos consecutivos. A renda da família média ainda está abaixo da verificada na última recessão, mesmo depois de quatro anos consecutivos de forte crescimento na produção. A parcela de pessoas sem seguro-saúde subiu de 15,6% para 15,9%, depois de dois anos de estabilidade.
Doug Schoen, pesquisador do Partido Democrata, reconhece que a "crise do poder de compra" da classe média poderia ser um grande tema na campanha, especialmente se os democratas surgirem com políticas moderadas confiáveis. Até agora isso não ocorreu.
Os políticos democratas gastam seu tempo protestando contra a Wal-Mart, a gigante varejista que proíbe sindicatos, e defendendo o aumento no salário mínimo, uma política de efeitos econômicos discutíveis e que teria pouco impacto para a maioria.
O diretor do Comitê de Campanha dos democratas, Rahm Emanuel, apresentou recentemente um livro com propostas políticas. Não se sabe, no entanto, quantos de seus colegas as apóiam.
Muitos republicanos sentem-se tranqüilos em virtude da falta de um plano claro dos democratas, o que poderia revelar-se um equívoco. As eleições de meio de mandato muitas vezes tratam-se mais de uma reprimenda ao presidente e seu partido do que de endossar uma alternativa apropriada. Nas palavras de Jason Furman, ex-assessor do ex-candidato presidencial e senador John Kerry, "ninguém está comprando a agenda democrata, o que estão comprando é a idéia de dividir o governo".