Título: Um Estado à beira do precipício
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2006, Eu & Fim de Semana, p. 3

Valor: O presidente Luiz Inácio Lula da Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin não tocaram no tema PCC em seus programas eleitorais. O que esperar do próximo governo em relação à violência?

Luiz Eduardo Soares: Tenho vontade de chorar. É inacreditável. De novo, essa gente continua assobiando na beira do precipício. A elite política brasileira, de esquerda ou de direita, é impermeável a esse tema. Vem com uma conversa demagógica de aumento de pena, ou achando que com crescimento tudo se resolve. É uma estupidez. Com Lula tínhamos um programa tão bom, elogiado até pela oposição, com apoio do Banco Mundial. Mas foi tudo para gaveta.

Valor: Que análise o senhor faz do seqüestro do repórter Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Coelho Calado, ambos da Rede Globo, pelo Primeiro Comando da Capital (PCC)?

Soares: A Rede Globo agiu de maneira correta. O importante é a preservação da vida. Era impossível agir de outra maneira. Sim, pode abrir um precedente. Mas foi melhor correr este risco do que acabar com a vida de um repórter.

Valor: O secretário de Segurança Saulo de Castro aposta no surgimento de uma segunda força dos presídios, pois, segundo ele, o PCC já está desfalecendo.

Soares: Não tenho acesso às informações que o secretário possui. E possível que esse grupo se enfraqueça, já que nasceu como instrumento de defesa dos presos e hoje é um instrumento de coação. Mas o secretário já fez tantos prognósticos equivocados, que perdeu o crédito diante da opinião pública. Não se deve levar a sério o que ele diz.

Valor: Quais são as providências a curto prazo para resolver o problema da violência em São Paulo?

Soares: É preciso adotar duas soluções rápidas. Primeiro, as empresas de telefonia não estão colaborando. A Anatel cruzou os braços. A Nexel oferece até aparelho para os pais monitorarem os filhos, mas é incapaz de atender as reivindicações da polícia. A Vivo, a mesma coisa. É preciso citar essas empresas para constrangê-las publicamente. A outra solução seria acabar com o acuamento do Judiciário. Ou se leva a questão para a Justiça Federal, o que minizaria o problema, ou será preciso adotar uma solução extrema: o juiz sem face, procedimento muito usado na Itália e na Colômbia para proteger os juízes de ataques terroristas.

Valor: E as medidas de longo prazo?

Soares: Precisamos de uma reforma profunda na área de segurança. O sistema penitenciário continua o mesmo da ditadura militar. A transição democrática se cumpriu, deixando à margem a questão da segurança pública.

(Tom Cardoso, para o Valor, do Rio)