Título: Inflação bate no teto, mas é a mais alta em sete anos
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Fonte: Valor Econômico, 09/01/2012, Opinião, p. A2

Em 2011, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou dois pontos percentuais acima da meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), mas dentro do intervalo de tolerância aceito pelo regime de metas. Na sexta-feira, as autoridades econômicas celebraram o fato de, pelo oitavo ano consecutivo, o Banco Central (BC) ter cumprido a meta oficial. Infelizmente, não há muito o que comemorar.

No ano passado, o IPCA acumulou variação de 6,5%, valor superior ao resultado do ano anterior (5,91%) e o pior desempenho desde 2004. Além disso, pelo segundo ano consecutivo, o índice oficial de preços ficou bem acima da meta de 4,5%. No regime de metas, a experiência mostra que, quanto mais tempo a inflação fica acima do objetivo definido pelo próprio governo, mais difícil é reduzi-la sem provocar perda significativa do produto interno.

No sistema brasileiro, a meta de inflação é legalmente definida como um percentual. A meta, portanto, é 4,5%. O sistema estabelece, contudo, um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. O objetivo é permitir que haja um certo espaço para, na ocorrência de choques exógenos (por exemplo, um movimento de alta de preços de commodities no mercado internacional), o Banco Central admitir temporariamente uma inflação acima ou abaixo da meta.

Nos 13 anos do regime de metas no Brasil, a inflação só atingiu a meta num único ano - 2007. Em apenas duas oportunidades (em 2006 e 2009), ficou abaixo. Nos dez anos restantes, o IPCA sempre superou o alvo, sendo que ultrapassou o teto de tolerância três vezes (em 2001, 2002 e 2003). Isso comprova que o regime brasileiro é bastante flexível, ao contrário do que afirmam alguns analistas.

A flexibilidade autoriza o Banco Central, ao perseguir a meta, não sacrificar demasiadamente o crescimento da economia. Há países, como o Uruguai, em que a meta é um intervalo de variação - no caso, de 4% a 6%. Se a inflação terminar o ano em 4% ou em 6%, não importa. Considera-se como cumprido o objetivo do banco central. Se o IPCA tivesse superado os 6,5%, o Banco Central teria que escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda dando explicações. Como ficou no limite, o alívio no governo foi generalizado.

Nos anos recentes, o governo brasileiro, movido por uma maior tolerância com a inflação, passou a considerar a ideia de que existe não uma meta específica, mas um intervalo de variação, que vai de 2,5% a 6,5%. Desde então, fala-se em "centro da meta", piso (2,5%) e teto (6,5%). Na prática, como os números vêm mostrando, 4,5% virou piso e 6,5%, a meta desejável.

Na quinta-feira passada, receosos com a possibilidade de descumprimento da meta, integrantes do Ministério da Fazenda avisaram à imprensa que não dariam entrevistas no dia seguinte e que o Banco Central é que deveria tratar do assunto. Como a notícia do IPCA foi "boa", a própria Fazenda tratou de deitar falação.

No fundo, o que tem ocorrido na economia brasileira do pós-crise de 2008/2009 é uma deliberação do governo em favor de um crescimento mais rápido do PIB, à custa de uma inflação mais alta. Em 2010, a economia cresceu 7,5% e o IPCA foi a 5,91%. É verdade que um choque de commodities empurrou a inflação para cima no último trimestre daquele ano, mas tiveram a primazia os interesses eleitorais do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fazer seu sucessor, dos quais o Banco Central não ficou imune.

A herança de aceleração dos gastos públicos, incentivos contra a crise quando eles não mais se justificavam e a economia estava aquecida e manobras contábeis para assegurar um superávit fiscal resultaram em mais inflação para a presidente Dilma Rousseff. Ao tomar medidas para conter a inflação, o BC derrubou o PIB para menos da metade e, mesmo assim, a inflação subiu em relação ao ano anterior. Novamente, houve pressão das commodities, para piorar o quadro.

Nos últimos meses, especialmente no Relatório de Inflação divulgado no fim do ano, o BC deu sinais de que, em 2012, vai priorizar o retorno do IPCA à meta de 4,5%. É, sem dúvida, necessário. O governo, entretanto, insiste em ter uma meta de crescimento - 5%, como afirmou a presidente Dilma Rousseff -, um objetivo incompatível, neste momento, com o processo desinflacionário conduzido pela autoridade monetária.