Título: Governos seguram emprego na crise
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 27/09/2010, Economia, p. 8

Enquanto setores tradicionais, como os serviços e o comércio, reduziram drasticamente o número de contratações em 2009, União, estados e municípios multiplicaram por quatro o ritmo de absorção de mão de obra, com efeitos na renda

No ano passado, no auge da crise econômica mundial, a administração pública em seus três níveis de governo União, estados e municípios ocupou espaços da indústria e do comércio na contratação de mão de obra. O avanço na abertura de vagas para reforçar a máquina segurou parte do mercado de trabalho justamente quando as demissões na iniciativa privada avançaram. O salto da burocracia teve reflexos diretos no crescimento da massa salarial do setor público e na alta do rendimento médio do servidor.

Os ingressos no funcionalismo quadruplicaram em 2009 na comparação com o nível do ano anterior. Dados do Banco Santander, compilados a partir da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho, revelam que o Estado deixou para trás setores tradicionais, consolidando-se como um grande patrão. O número de trabalhadores públicos (celetistas e estatutários) admitidos nas repartições subiu de 112 mil para 454 mil. Já as fábricas, de um ano para o outro, reduziram o ritmo de contratações de 555 mil para 282 mil.

Fenômeno semelhante ao desaquecimento verificado no emprego industrial abateu-se sobre o comércio, que havia aberto as portas para 483 mil pessoas em 2008, mas recuou para 369 mil em 2009. O setor de serviços, carro-chefe da carteira assinada no Brasil, manteve o saldo na casa dos 650 mil registros em ambos os anos. No total de vagas formais no ano passado e no retrasado, a participação do funcionalismo saiu de 6,1% para 25,7%.

Quando regionalizados, os números mostram que a distribuição geográfica das novas vagas ocorreu de maneira mais intensa em algumas localidades. Conforme o relatório produzido pela instituição financeira, em termos nominais, as contratações se concentraram no Sudeste (140 mil) e no Nordeste (138,6 mil). A maioria dos funcionários contratados não é demissível após acabarem os efeitos da crise. Assim, a contratação parece ter tido o efeito de compensar demissões, mas isso foi apenas um efeito colateral, e não consequência de um plano deliberado anticrise, ressalta o documento do Santander.

Luiza Rodrigues, economista do banco, vai além. Não acho que isso seja uma ação anticíclica, resume. A analista vê com ressalvas o aumento do emprego público em áreas do país onde o fechamento de vagas por causa da crise não foi tão nocivo ao mercado de trabalho. Houve forte contratação no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste. E essas regiões não foram as que mais perderam vagas. O governo contratou onde não se perdeu tantas vagas, completa. Segundo ela, a absorção por parte do setor público foi tão grande em 2009 que praticamente compensou a queda de contratações da indústria.

Salários O aumento no volume de contratações no setor público também veio acompanhado de uma alta significativa nos salários dos servidores em 2009. A pesquisa detalhada do Santander indica que, em todas as regiões do Brasil, o rendimento médio do funcionalismo bateu, de longe, o da iniciativa privada. No Norte, por exemplo, a relação ficou em R$ 1.788 por mês contra R$ 1.099. No Nordeste, R$ 1.464 ante R$ 990. No Sudeste, R$ 2.154 para R$ 1.461. No Sul, R$ 2.037 contra R$ 1.194 e, no Centro-Oeste, R$ 3.266 diante de R$ 1.201. O total do rendimento do setor privado em comparação com o do funcionalismo é quase 100% favorável ao segundo (R$ 2.039 contra R$ 1.305).

Resultado das contratações e do salário médio elevado, o setor público registrou ainda um crescimento da massa salarial superior ao observado na soma do que as empresas pagaram aos seus funcionários. Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a importância do funcionalismo na expansão de todos os salários pagos aos trabalhadores foi próxima ou maior do que 50%. Em valores correntes, a massa salarial do setor público alcançou em dezembro de 2009 a marca de R$ 2,2 bilhões.

Pressões Motores do emprego público nos últimos anos, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário federais intensificaram suas políticas de absorção de mão de obra ou reestruturaram carreiras de funcionários ao longo de 2010. Ao que tudo indica, em maior ou menor grau, os planos para 2011 deverão se repetir. Há previsão de substituir funcionários terceirizados, novos concursos estão no forno e pressões por reajustes salariais de categorias insatisfeitas já chegaram ao Congresso Nacional.

Na proposta orçamentária enviada pelo governo federal aos parlamentares em agosto passado, o Executivo que é o maior contratante previu a abertura de 19.672 vagas no próximo ano, que serão preenchidas por meio de seleções públicas. A folha total do funcionalismo federal está estimada em R$ 184,4 bilhões em 2011.

A maioria dos funcionários contratados não é demissível após acabarem os efeitos da crise. Assim, a contratação parece ter tido o efeito de compensar demissões, mas isso foi apenas um efeito colateral, e não consequência de um plano deliberado anticrise

Estudo do Santander sobre o assunto

O número R$ 184,4 bilhões Previsão orçamentária para a folha de pagamentos do funcionalismo federal em 2011