Título: Censura ética, a primeira punição
Autor: Jerônimo, Josie; Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 18/09/2010, Política, p. 4

Comissão adota pena simbólica porque a ex-ministra não apresentou lista de bens e de parentes no serviço público

A ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra deixou a pasta carregando numerosas denúncias e uma mancha no currículo de agente pública. Antes mesmo de encerrar as apurações sobre a conduta da ex-ministra, acusada de favorecer familiares em contratos envolvendo recursos governamentais, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República puniu Erenice. Ontem, depois de reunião extraordinária da comissão, o relator do caso, Fábio Coutinho, anunciou que a passagem da ex-ministra pela pasta receberá o selo de censura ética.

A medida foi aprovada por unanimidade. O colegiado determinou sanção à ex-ministra por descumprir preceito básico do serviço público e não apresentar relatório informando lista de bens patrimoniais, sua atuação e de familiares em empresas que recebessem recursos do governo e a lista de parentes de até quarto grau empregados em órgãos públicos. As irregularidades datam de abril, mês em que ela foi nomeada para o cargo. Somente agora, no entanto, a comissão decidiu agir.

O relatório, chamado de Declaração Confidencial de Informações (DCI), deveria ter sido entregue por Erenice até 10 de abril, mas a ex-ministra ignorou três cobranças do colegiado e deixou o ministério sem prestar contas de suas atividades extra-pasta. A comissão deliberou, também, ainda no âmbito do procedimento preliminar, que já havia falta de ética da ex-autoridade, afirmou o relator do caso no Conselho de Ética da Presidência. A censura ética vale por três anos. A punição não impede Erenice de trabalhar em cargos públicos, mas funciona como um desabono de currículo.

Congresso

Além da apuração do Conselho de Ética e da Polícia Federal, o Congresso Nacional também quer levar as denúncias contra Erenice para as suas fileiras. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Demostenes Torres (DEM-GO), pediu ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, informações sobre a ex-ministra e a suposta atuação no escândalo de tráfico de influência. O senador do DEM afirma que a hipótese de realizar sessão na CCJ antes das eleições dependeria de convocação do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), que, por ser aliado do governo, não deve adotar a medida emergencial. Mesmo sem quorum, Demostenes pediu a Gurgel que envie os dados este mês. Denúncias de corrupção têm sido corriqueiras no governo, afirma.

A demissão de Erenice é a nona desde o início do governo Lula motivada por denúncias de corrupção ou má utilização de recursos e do poder público (veja quadro). A ex-titular da Casa Civil ficou 168 dias à frente da pasta e foi a segunda ministra com menor tempo de Esplanada. Antes dela, Romero Jucá suportou apenas 120 dias na Previdência.

A comissão deliberou que já havia falta de ética da ex-autoridade

Trecho do relatório preliminar da Comissão de Ética Pública

Nove pelo caminho

Benedita da Silva (Assistência e Promoção Social)

Ficou 388 dias no governo. Saiu na reforma ministerial, depois de denúncias de ter ido a um evento religioso na Argentina com dinheiro público.

Romero Jucá (Previdência)

Caiu após 122 dias no governo, acusado de irregularidades na aplicação de um empréstimo no Banco da Amazônia. Entre outras irregularidades, teria oferecido fazendas inexistentes como garantia.

José Dirceu (Casa Civil)

Acusado de ter comandado o Mensalão, esquema de compra de votos de parlamentares, perdeu o cargo após 896 dias na ativa.

Antonio Palocci (Fazenda)

Teve de entregar o cargo por denúncias de contatos com lobistas e em função da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Foram 1.181 dias no governo.

Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação)

Com participação apontada no Mensalão, denúncias de irregularidades na propaganda oficial e interferência em fundos de pensão, deixou o cargo após 1.411 dias.

Silas Rondeau (Minas e Energia)

Saiu depois de ter sido acusado pela Polícia Federal de ter recebido R$ 100 mil da Construtora Gautama. Acabou inocentado por uma análise pericial. Foram 683 dias no governo Lula.

Walfrido dos Mares Guia (Relações Institucionais)

Exonerado sob suspeita de participação no Mensalão mineiro. Ficou 243 dias no staff de Lula.

Matilde Ribeiro (Igualdade Racial)

Exonerada por apresentar gastos irregulares com cartão corporativo. Em 2007, utilizou R$ 171.556 com o cartão, R$ 120.281 só com aluguéis de carros. Foram 316 dias no primeiro escalão.

Erenice Guerra (Casa Civil)

168 dias Substituta de Dilma Rousseff na Casa Civil, caiu sob suspeita de usar o cargo para facilitar o trabalho de lobby de familiares.