Título: Volta da indústria de semicondutores demanda mais que incentivos fiscais
Autor: Rosa, João Luiz
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2006, Brasil, p. A3

A comparação é completamente desvantajosa: no fim dos anos 80 havia 23 empresas de semicondutores no Brasil. Aos poucos, porém, a maioria dessas companhias abandonou a atividade no país, caso da japonesa NEC, que abriu uma fábrica de memórias em 1998, mas jogou a toalha quatro anos depois. A mais recente baixa foi da brasileira Itautec. A empresa deixou o negócio no ano passado e não pensa em voltar a ele tão cedo: na fábrica de Jundiaí (SP), há meses desocupada, os semicondutores vão dar lugar aos equipamentos de automação e computadores. Resumo da ópera: restam apenas três companhias do setor no país - Aegis, Smart e Semikron, 13% do que havia 20 anos atrás - e sobram reclamações dos empresários.

A desistência tem vários fatores, às vezes de ordem interna. Quando vendeu sua fábrica no Brasil, a NEC também abriu mão de unidades em outros países, fechando quatro das sete instalações que possuía como parte de um processo de reestruturação.

Mas é consenso entre os fabricantes de componentes eletrônicos que, independentemente de questões pontuais, o Brasil perdeu competitividade como pólo de atração de investimentos em semicondutores para países asiáticos e também para vizinhos do continente.

Um dos pontos críticos é a carga tributária que onera a produção local. "Os insumos pagam ICMS maior que os produtos acabados e o Imposto de Importação do produto acabado é menor que o do insumo", diz Wanderley Marzano, presidente da Aegis Semicondutores e diretor da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). "Essas distorções tarifárias precisam ser corrigidas", afirma o empresário. "No mundo inteiro a área de semicondutores é fortemente incentivada. Aqui, ela é punida."

Mesmo que as distorções tarifárias sejam corrigidas, não há garantias de que um novo fluxo de investimento vai jorrar em direção ao mercado brasileiro. "Se acontecer, a redução dos impostos será muito bem vista, mas há outras barreiras para investir no Brasil, como a infra-estrutura, uma alfândega rápida e (a falta de) um ecossistema (de fornecedores)", diz José Antonio Scodiero, vice-presidente de marketing e vendas na América Latina da AMD, a segunda maior fabricante mundial de chips para computador.

Os empresários do setor reconhecem que com o Plano Nacional de Microeletrônica (PNM), que começou a ser montado em 2002, tem ocorrido algum estímulo à primeira etapa do processo de produção de semicondutores, a de projeto. Mas isso seria insuficiente para convencer uma multinacional a investir na segunda e mais cara etapa - a de produção - exatamente a mais cobiçada em termos de investimento. "Essas fábricas levam de dois a três anos para ser construídas e custam entre US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões", diz Scodiero. O executivo afirma que a AMD está sempre avaliando oportunidades, mas não tem nenhum plano de iniciar produção no Brasil.

É a mesma posição da Intel, a número um do mercado global de chips para PCs. Nos últimos anos, a chegada do principal executivo da companhia ao país tem sido precedida de comentários sobre um suposto anúncio de produção local. Em setembro, está prevista a visita de Craig Barrett, presidente do conselho e ex-executivo-chefe da Intel. Velho conhecido do Brasil, Barrett e seu sucessor no comando da empresa - Paul Otellini - têm negado sucessivamente a intenção de construir uma fábrica no país.

O único anúncio recente de investimento em semicondutores no país veio da americana Smart Modular Technologies, que em março transferiu sua produção de memórias da unidade de Guarulhos (SP) para uma fábrica maior, em Atibaia (SP), onde passou a fazer o encapsulamento dos chips, a terceira e última fase do processo.

Com a definição do padrão de TV digital, a produção local de semicondutores voltou a chamar a atenção, mas muitos empresários preferem esperar. "Até agora, se conversou muito, mas se fez muito pouco", diz Marzano.