Título: Seixas quer OMC com mais voz para emergentes
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 10/12/2004, Especial, p. A12

Brasil e União Européia entram na corrida pela direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) com contrastes em suas candidaturas. O governo brasileiro oficializa hoje, em Genebra, o nome do embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa para a disputa. Um dos diplomatas mais experientes e bem-sucedidos do Itamaraty, ele define como sua prioridade máxima a busca pelo consenso para concluir a rodada de negociações multilaterais para liberalização do comércio, lançada em Doha, em novembro de 2001. Seixas quer ampliar a participação dos países em desenvolvimento na busca por entendimentos e diz que a experiência brasileira em articular a criação do G-20 mostra como isso é possível. "O que oferecemos é uma contribuição para que os países em desenvolvimento participem de forma mais ampla nas decisões. É uma pretensão legítima", afirmou Seixas, nesta entrevista ao Valor. Para isso, ele defende uma tese oposta à do recém-lançado candidato da UE, o ex-comissário de comércio Pascal Lamy. Logo após o fracasso da conferência ministerial de Cancún, em novembro de 2003, Lamy sugeriu a adoção de mudanças institucionais na organização, com o fim das decisões por consenso e a instituição de um sistema por votação. Para o embaixador, manter a regra do consenso é fundamental. "É preciso buscar maneiras de construção do consenso que sejam transparentes e inclusivas, não por imposição ou por cooptações". Seixas é visto como um forte candidato pelo Itamaraty. Seu currículo inclui passagens por alguns dos postos mais importantes da diplomacia brasileira. Foi assessor internacional do então presidente José Sarney, de 1987 a 1989, secretário-geral das Relações Exteriores por alguns meses no governo Collor, embaixador em Buenos Aires entre 1997 e 1999, novamente secretário-geral durante a maior parte do segundo mandato de FHC e, agora, embaixador da delegação brasileira em Genebra. Ele concedeu esta entrevista por telefone, na quarta-feira: Valor: Como funciona o processo de sucessão na OMC? Luiz Felipe de Seixas Corrêa: Termina no dia 31 de dezembro o prazo para a apresentação formal das candidaturas. De janeiro a março, os candidatos poderão fazer campanha. Isso inclui viagens pelos países-membros e uma apresentação dos candidatos perante o conselho-geral da organização, que acontecerá no dia 26 de janeiro. Entre abril e maio, um trio formado pelos presidentes do conselho-geral, do órgão de solução de controvérsias e do mecanismo de revisão de políticas comerciais farão consultas junto aos sócios para tentar obter um consenso. Na ausência de consenso, está prevista a hipótese de uma eleição. Mas isso é algo que, a princípio, deve ser evitado. Valor: Por que é importante para o Brasil ter um diretor-geral da OMC? Seixas Corrêa: O fortalecimento da OMC é um objetivo de primeira grandeza para o Brasil. Somos um grande país em desenvolvimento, com o comércio exterior equilibrado entre todas as regiões do mundo e uma pauta variada, que vai desde produtos primários até bens de alta tecnologia. Isso nos confere uma sensibilidade especial para o sistema multilateral de comércio. Além disso, temos muito interesse no aperfeiçoamento do mecanismo de solução de controvérsias. Neste momento, o futuro da OMC está ligado ao êxito da Rodada Doha. O grande desafio que ainda temos pela frente é a incorporação dos países em desenvolvimento no processo decisório, na gestação do consenso. A nossa experiência com a articulação do G-20 mostra que isso, além de desejável, é possível. O que oferecemos é uma contribuição para que os países em desenvolvimento participem de forma mais ampla nas decisões. É uma pretensão legítima. Valor: A liderança que o Brasil exerceu no G-20 despertou controvérsias entre os países ricos... Seixas Corrêa: As posições distorcidas sobre esse grupo foram ultrapassadas. Hoje, o papel do G-20 é louvado por todos os participantes e só ouço menções elogiosas. E o Brasil e o G-20 estão empenhados no sucesso das negociações. Precisamos ter em mente que, quando se elege, o representante nacional se transforma em um funcionário internacional, com a missão de buscar aproximações e gerar consensos, sem defender objetivos de países específicos. Valor: Como será possível aparar arestas e levar a Rodada Doha a um final bem-sucedido? Seixas Corrêa: Buscando preservar o nível de ambição do mandado de Doha. Esse é o princípio que deve nortear toda a negociação. Valor: O nível de ambição corre riscos? Seixas Corrêa: A rodada tem que terminar em 2006. Para isso, o ano que vem é crucial. O objetivo é fazer com que, na conferência ministerial de Hong Kong, prevista para o fim de 2005, se aprovem as modalidades das duas principais áreas de negociação, bens agrícolas e não-agrícolas, o que deveria ter acontecido em Cancún. Valor: O principal obstáculo ainda é agricultura? Seixas Corrêa: Esse é o principal tema, onde os maiores progressos precisam ser feitos. Os países negociam a abertura de produtos industriais há 50 anos, enquanto a liberalização da agricultura começou na Rodada Uruguai. Não identifico obstáculos. Temos um "framework" que dá uma diretriz clara para cada negociação. A chave está em criar equilíbrios entre todas as áreas. É como um comboio, em que todos os vagões têm de avançar na mesma velocidade. Valor: A OMC precisa de mudanças institucionais? Seixas Corrêa: A organização fará dez anos em janeiro. Se a rodada for bem-sucedida, ela se tornará ainda mais central. Mas a OMC se transformou muito, tem hoje 148 sócios, a maioria países em desenvolvimento. O atual diretor-geral encomendou a um grupo de sumidades internacionais um estudo, que será divulgado em janeiro, sobre a organização e com recomendações sobre seu futuro. Valor: Mais de 90% do comércio mundial é feito pelos países da OCDE e mais um reduzido grupo de grandes países em desenvolvimento, como Brasil e China. No entanto, os pequenos países mais pobres têm a mesma capacidade de criar obstáculos e paralisar a agenda. O sistema de acordo por consenso deveria ser substituído pela votação? Seixas Corrêa: Não. A regra do consenso é fundamental, o governo brasileiro e eu, pessoalmente, acredito que deva ser preservada. É preciso buscar maneiras de construir o consenso que sejam transparentes e inclusivas, não por imposição ou cooptações. Isso é complicado e árduo, mas não impossível. Nossa experiência mostra isso. Valor: E os acordos bilaterais? Seixas Corrêa: Não vejo oposição entre as duas coisas. No entanto, para que acordos bilaterais e regionais funcionem direito, eles precisam estar emoldurados numa ordem multilateral aceita por todos. O essencial é manter um sistema multilateral forte. Valor: Se as negociações da Rodada Doha não forem concluídas no prazo, a proliferação de acordos bilaterais pode acabar prejudicando os países que os assinam? Seixas Corrêa: É um risco. Todos estão buscando liberalização e ampliação do comércio, mas essa proliferação de acordos pode levar a segmentações, que não necessariamente abrem oportunidades em bases equitativas