Título: Brasil vai propor aprimoramento de comissão no Mercosul
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 10/12/2004, Especial, p. A12

A uma semana da reunião de cúpula dos países que integram o Mercosul, Brasil e Argentina tentam resolver suas diferenças sobre o comércio bilateral. Durante reunião hoje, em Buenos Aires, representantes do governo brasileiro rejeitarão formalmente a proposta argentina de adoção de salvaguardas, mas proporão o aprimoramento da Comissão de Monitoramento do Comércio Bilateral, criada para analisar caso-a-caso os desequilíbrios surgidos nas trocas comerciais entre os dois países. O Brasil quer que a Comissão seja mais "operacional". Para isso, deseja que ela passe a ser acionada a partir de parâmetros pré-definidos. O governo quer evitar que qualquer demanda das indústrias locais, interessadas em se proteger da concorrência do país vizinho, seja atendida pela Comissão. O governo brasileiro quer também que toda e qualquer medida de "salvaguarda setorial", como a imposição de cotas de importação, seja condicionada à reestruturação dos setores beneficiados. "As salvaguardas são incompatíveis com o Tratado de Assunção, que criou o Mercosul", justificou um dos integrantes da missão. No encontro de hoje, a missão brasileira dirá que o Brasil aceita apenas as salvaguardas negociadas pelos empresários dos dois países no âmbito da Comissão Bilateral. "Acordos voluntários de empresários não caracterizam salvaguarda", explicou um técnico. Os argentinos gostariam de institucionalizar as salvaguardas por meio de mecanismos que seriam acionados automaticamente a partir de variações atípicas na taxa de câmbio ou do PIB. "Somos realistas. Algumas dessas propostas são economicamente erradas", ponderou um assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Vamos explorar com os argentinos um diálogo sobre convergência macroeconômica", contou outro assessor. O espírito dos negociadores brasileiros é evitar novos atritos. "Nem ruptura nem conciliação exagerada", avisou um desses negociadores. Já o governo argentino insistiu, ontem, na necessidade de implantar mecanismos capazes de equilibrar o que considera "assimetrias" no Mercosul e não considerou que tenha havido, ao menos por enquanto, um não à proposta de adoção de salvaguardas feita em setembro pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna. O secretário de Relações Econômicas Internacionais da chancelaria argentina, Alfredo Chiaradia, afirmou que não considerará a proposta rejeitada "até que não conheça oficialmente a reação do Brasil". Em declarações à agência de notícias argentina "Telam", Chiaradia afirmou que a reunião estará concentrada na discussão de medidas "para corrigir problemas de comércio por razões de competitividade". Por meio de seu porta-voz, Lavagna afirmou que "só o desenvolvimento conjunto e a expansão intraindustrial dão sentido econômico ao Mercosul". Os brasileiros acreditam que a reunião de cúpula, na próxima semana em Ouro Preto, ajudará a desanuviar o ambiente das relações com a Argentina, prejudicadas pelo forte aumento das exportações do Brasil ao vizinho. Uma das razões será o anúncio da criação do Fundo do Mercosul para Financiamento de Projetos de Convergência Estrutural. Inspirado nos fundos regionais da União Européia, esse fundo terá como missão ajudar a diminuir as desigualdades produtivas dentro da região. "Vamos procurar ter dentro do Mercosul mecanismos para reduzir assimetrias", informou uma autoridade brasileira. Numa reunião técnica na segunda-feira, preparatória para o encontro de cúpula, representantes dos quatro países debaterão a harmonização de estatísticas. Trata-se do primeiro passo na busca da convergência macroeconômica entre as economias da região. A reunião de Ouro Preto trará outras novidades. Será anunciada, por exemplo, a intenção de se criar o Parlamento do Mercosul (hoje, existe apenas uma comissão parlamentar). Será lançado também um "grupo de alto nível" para bolar uma estratégia de geração de empregos na região. Na área comercial, Índia e os países que integram a União Aduaneira da África Austral deverão assinar acordos de preferência tarifária com o Mercosul. Mais dois países sul-americanos - Equador e Venezuela - deverão se juntar ao bloco como estados associados. Hoje, Chile, Bolívia e Peru têm esse status. O encontro de cúpula deverá aprovar também a regulamentação do Protocolo de Compras Governamentais, medida que permitirá às empresas da região participar das licitações públicas promovidas pelos países do bloco. Será anunciado ainda a criação do "regime de facilitação de atividades empresariais", para estimular os negócios e a movimentação de empresários entre os países da região. Uma das medidas em estudo é a redução, de US$ 200 mil para US$ 30 mil, do custo, cobrado no Brasil, para a concessão de residência fixa para empresários dos países vizinhos.