Título: Estratégia gradualista do Banco Central está correta, diz Werlang
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 20/01/2012, Especial, p. A10

O Banco Central acertou ao começar o ciclo de redução dos juros em agosto e ainda tem espaço derrubar a Selic até 9% ao ano, diz o ex-diretor de Política Econômica do BC Sérgio Werlang. Na quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) promoveu a quarta queda seguida da Selic, baixando a taxa de 11% para 10,5%.

Um dos principais responsáveis pela implementação do regime de metas de inflação no Brasil, em 1999, Werlang mostra simpatia pela estratégia escolhida pela autoridade monetária, de fazer uma convergência gradual da inflação para o centro da meta, de 4,5%. Para ele, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) vai ficar entre 5% e 5,5% neste ano, abaixo dos 6,5% de 2011, o que lhe parece um resultado bastante positivo, não sendo um sinal de leniência.

A análise do que se passou no Brasil e no mundo desde agosto mostra que o BC estava correto quando inverteu inesperadamente a mão da política monetária, diz Werlang, vice-presidente-executivo do Itaú Unibanco, responsável pela área financeira e de controle de riscos. A atividade econômica se desacelerou com força no terceiro trimestre do ano passado, enquanto a situação da Europa piorou significativamente. Na época do primeiro corte de juros, Werlang classificou a decisão como "ousada", mas disse que em determinadas circunstâncias uma surpresa na condução da política monetária se justifica. "Foi muito bem feito."

"Eu achei muito positivo no governo a ideia de usar a política fiscal também para combater a inflação"

Werlang acredita que o crescimento do PIB neste ano não será nem os 5% sonhados pela presidente Dilma Rousseff, nem os 2,5% projetados pelos mais pessimistas. Ele aposta em alta de 3,5%, uma expansão mais forte que os 3% ou menos estimados para 2011. A queda dos juros vai estimular a demanda, assim como o relaxamento de parte das medidas de restrição ao crédito adotadas a partir de dezembro de 2010, diz Werlang. A política fiscal será menos restritiva do que no ano passado, mas Werlang não vê aí um impulso importante para a atividade. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Que balanço o senhor faz da economia brasileira no primeiro ano do governo Dilma Rousseff?

Sérgio Werlang: Eu faço um balanço muito positivo. Os últimos três anos do segundo governo Lula foram de grande expansão fiscal. A inflação ficou controlada, mas com base numa política monetária apertada. A desvantagem é que o juro real ficou um pouco mais alto do que poderia. Eu achei muito positivo no governo Dilma a ideia de usar a política fiscal também para combater a inflação. Se a política fiscal é usada para combater a inflação, isso significa que se pode usar menos a politica monetária. Essa combinação de mais política fiscal e menos política monetária no fundo é boa para todo mundo.

Valor: Quando se olha a política fiscal de 2011, boa parte do superávit primário foi obtida pelo aumento de receita, e a despesa mais contida foi o investimento. A qualidade não foi ruim?

Werlang: Eu não parei para analisar com tanta atenção o detalhe. O que percebi foi uma execução da política fiscal, que, de fato, conseguiu um superávit primário bastante expressivo, que deve ter ficado em 3,2% do PIB. Eu tenho certeza que, na hora em que se entrar no detalhe, é possível dizer que poderia ter cortado mais aqui e menos ali. Haverá sempre alguma divergência. Eu li que os funcionários públicos federais poderão eventualmente entrar em greve. Eles acham que não houve reajuste suficiente. Nesse caso, o governo segurou uma despesa corrente importante. Mas, olhando o total, foi um esforço fiscal considerável.

Valor: Isso ajudou a segurar a demanda?

Werlang: Não tenho dúvida nenhuma. Essa queda no crescimento do PIB, na demanda agregada, ocorreu em parte porque a política fiscal foi contracionista. Isso significa que a política monetária pode ser afrouxada. É claro que houve a contribuição da deterioração do cenário internacional, e mais para frente vai ter mais ainda.

Valor: Por que a economia freou com força no terceiro trimestre?

Werlang: Uma parte foi por causa por causa da política fiscal e outra por causa da política monetária. Além disso, nós não sabemos medir direito os impactos das medidas macroprudenciais. Eu não sei dizer qual foi o peso de cada uma com precisão, mas um conjunto de atitudes contribuiu para a desaceleração. E o cenário externo já influenciou alguma coisa no terceiro trimestre.

"O regime de metas é feito para conviver com bancos centrais com diferentes preferências"

Valor: O senhor foi um dos poucos analistas mais ortodoxos a não condenar o BC quando ele reduziu os juros em agosto, dizendo na época que surpresas podem fazer parte da política monetária. Pelo que se vê de agosto para cá, o BC acertou quando cortou os juros?

Werlang: Acertou. A economia já vinha mostrando sinais de que iria se desacelerar. Quando eles viram que o cenário externo ia se compor a essa desaceleração, eles resolveram, muito acertadamente, começar o corte dos juros. Foi muito bem feito. Só para ter uma ideia, o nosso cenário básico hoje aponta uma queda de 1% para o PIB da Europa em 2012. Na ocasião em que houve o corte da Selic, esse cenário básico tinha um crescimento na faixa de 0,5%. Houve uma mudança grande na expectativa de crescimento de um grande pedaço da economia do mundo, e a mudança foi exatamente na direção que estava indicada pelo Banco Central.

Valor: Há mais espaço para continuar cortando os juros?

Werlang: Nas nossas contas, dá para cortar até 9% ao ano. Vai depender muito do comportamento da inflação. Neste ano, os pesos do IPCA foram reponderados, então o comportamento não vai ser exatamente como os modelos antigos previam, então há ajustes aqui e ali. Hoje, acho que a inflação deve ficar entre 5% e 5,5%, o que será um bom resultado.

Valor: A preocupação com a inflação de 2013 pode fazer o Banco Central interromper os cortes antes de chegar em 9%?

Werlang: Olhando hoje, ainda acho que nós chegaremos a uma Selic de 9%. E o juro real de longo prazo para a economia brasileira está caindo. Eu gosto de olhar como medida do juro real o título de longo prazo indexado ao IPCA. Nesse caso, o melhor é usar o cupom desse papel, um excelente sinalizador do juro real de longo prazo. O último número que eu vi estava entre 5,3% e 5,5%. Outra forma de medir é pegar um prefixado longo de três a quatro anos e tirar as expectativas de inflação do BC nesse horizonte. Todas elas mostram que o juro real está em queda, embora ainda haja uma certa dúvida sobre para onde ele está indo. Hoje, o número está na casa de 5%, 5,5%. Mas, à proporção que nós tivermos certeza de que é possível fazer uma gestão macroeconômica com um impulso fiscal muito menos presente, e que isso é sustentável, o juro real de equilíbrio da economia brasileira vai cair mais rápido. Foi uma transição que levou alguns anos no Chile, para cair de 5%, 6%, para o patamar de 2%. Lá, havia um medo que o governo democrático fosse mudar todas as políticas do governo conservador de Pinochet. A questão é que as políticas macroeconômicas, e muitas das políticas microeconômicas, foram mantidas e aprofundadas. Na hora em que a população chilena percebeu que pode haver um governo de direita e de esquerda, mas vai haver sempre responsabilidade fiscal, estabilidade, pronto, começou a cair o juro real. Veja a importância que foi a eleição de Lula para o Brasil. O juro real brasileiro já caiu muito, mas ainda tem um tanto para cair. Nós precisamos nos convencer que é possível ter equilíbrio nas contas públicas, mesmo com a complexidade da gestão pública brasileira, com uma Constituição muito complexa, uma federação que tem Estados muito fortes.

Valor: Quando se olha o swap de 360 dias e a expectativa de inflação para os 12 meses, o juro real já está mais próximo de 4%. Essa não é uma boa medida?

Werlang: Não, porque é muito de curto prazo. Para mim, o juro real de equilíbrio está mais para 5% do que para 4%.

Valor: Alguns analistas dizem que o BC passou a ter uma meta de crescimento, e há quem critique a opção pela convergência para a meta num prazo muito longo. O regime de metas continuar de pé, apesar dessas mudanças?

Werlang: Sim. O regime de metas de inflação indica o nível de longo prazo para onde a inflação tem que ir. Você pode ter o BC atingindo esse nível em diferentes prazos, com diferentes impactos no PIB. O BC está calibrando para que você o atinja no médio prazo, no próximo um ano e meio ou dois, em vez de fazê-lo em 2012. A contrapartida é que o crescimento do PIB neste ano será um pouco maior do que se tentasse chegar em 4,5% também neste ano. O regime de metas tem que conviver com diferentes estruturas de bancos centrais. Ele tem que conviver com bancos centrais com um tipo de preferência para convergência diferente de outro. O arcabouço continua funcionando. Tudo isso está sendo guiado pelo longo prazo. O BC continua a fazer as reuniões do Copom, a meta de inflação como balizador das ações, justificando-as com base na meta.

Valor: A atual direção do BC não dá mais importância para o crescimento do que o BC anterior?

Werlang: Depende do que você quer dizer com dar mais importância. A preferência desse BC é por ajustes mais graduais, só isso. Eu sou simpático a esse tipo de abordagem. O regime de metas é feito para conviver com bancos centrais com diferentes preferências.

Valor: Neste ano, os gastos do governo devem aumentar com mais força, primeiro por causa do impacto do aumento do salário mínimo sobre os gastos do INSS. Além disso, o governo deve ampliar o investimento e já foram tomadas algumas medidas pontuais de desoneração tributária. Essa combinação pode tirar espaço para o corte de juros?

Werlang: Qualquer medida de incentivo à demanda, principalmente se vier de estímulos fiscais, força um equilíbrio de juro real um pouco maior. Mas a maior parte das medidas recentes de estímulo fiscal é pontual, e a magnitude não é tão grande. Não há nem de perto a magnitude das medidas de 2008 e 2009. Isso não vai alterar o superávit primário substancialmente. Ele deverá ser menor que o do ano passado, porque as receitas devem crescer menos e o aumento do salário mínimo afeta o gasto com a aposentadoria do INSS. Contando esses dois efeitos, ainda assim as estimativas apontam um superávit primário bastante razoável, de 2,5% do PIB. E isso parece compatível com o juro de 9%.

Valor: E um superávit primário na meta, de 3% do PIB, é possível?

Werlang: É possível, mas é difícil. Vai depender muito do ritmo da arrecadação.

Valor: Como avalia o impacto das medidas macroprudenciais sobre o crédito e a demanda?

Werlang: Elas tiveram efeito sim, e foi importante. Depois do abrandamento recente que houve, acho que elas estão de bom tamanho. As medidas macroprudenciais estão apontando para os créditos muito longos, para créditos cujas garantias não são tão boas. São medidas bastante boas para evitar bolhas de crédito e devem ser utilizadas mais e mais.

Valor: Em que medida o relaxamento das medidas macroprudenciais vai impulsionar a demanda?

Werlang: Não na mesma intensidade em que ajudaram a segurar, porque nem tudo foi desarmado, mas certamente haverá algum impacto na direção contrária. Nas minhas contas, nas quais os juros chegam a 9%, já está embutido que a reversão das macroprudenciais terá algum impacto de aceleração da demanda.

Valor: A presidente e o ministro da Fazenda dizem que um crescimento de 5% neste ano é possível. Ao mesmo tempo, alguns analistas dizem que o carry over (herança estatística) de 2011 para 2012 é tão baixo que o PIB vai crescer algo como 2,5%. Qual a sua avaliação?

Werlang: O número que nós temos é de 3,5%. Um crescimento de 5% parece muito alto para 2012, mas 2,5% me parece baixo demais, embora seja plausível, principalmente no caso de se exacerbar a situação de queda do PIB da Europa. Acho possível que o nível de crescimento de longo prazo do país seja de 5%. Estou mais para 4,5% como crescimento potencial, mas, se já há erro na medida do próprio PIB, imagine na medida do potencial.

Valor: Quais são os impulsos para estimular a atividade econômica em 2012 e fazer o PIB crescer 3,5%?

Werlang: Como eu disse, o juro deverá continuar caindo, até atingir 9%. A política fiscal deverá ser mais expansionista do que a de 2011. Ela desestimula menos do que no ano passado. O relaxamento das medidas macroprudenciais também deve dar algum estímulo à demanda.

Valor: O aumento do salário mínimo é um estímulo importante?

Werlang: Acho que o estímulo é pequeno. Na demanda agregada, não faz muita diferença.

Valor: Qual é o cenário mais provável para a Europa?

Werlang: O mais provável é um quadro de baixo crescimento por muito tempo. Neste ano, o PIB cai 1%, no ano que vem sobe 0,5%, depois fica parado. Existe a possibilidade de virar um cenário bem diferente e bem pior? Existe, se a zona do euro se dividir, se algum país grande enfrentar um problema de financiamento.

Valor: Um país como a Itália pode dar calote?

Werlang: Não acho provável. Quando você olha a dinâmica da dívida da zona do euro como um todo, levando em conta as projeções para déficit, crescimento, dívida e os juros médios, a dinâmica funciona bem, pensando no bloco todo. Pelo menos no nível atual de juros. Então existe solução para o problema. A questão é como essa solução será implantada, e com qual velocidade. Se existe solução, eu não acho que vão deixar um país grande ter problema de crédito, porque isso não é do interesse da zona do euro.

Valor: Algum país pode sair da zona do euro, para ganhar competitividade, ou vão todos os países em crise optar por um ajuste doloroso via deflação e ajuste fiscal forte?

Werlang: É muito grande o custo de sair da zona do euro. A integração já foi feita num nível enorme. Por causa disso, o cenário básico é de crescimento muito baixo no longo prazo.

Valor: A balança comercial está muito dependente de commodities. Uma queda de preços de commodities pode transformar o superávit comercial em déficit?

Werlang: Acho difícil, mesmo com a Europa patinando. Para que isso ocorra, é necessário uma desaceleração enorme do crescimento da China e da Índia. Com isso, acredito que os preços de commodities devem ficar num nível não tão alto quanto o pico, mas ainda elevado.

Valor: O sr. se preocupa com a indústria? O setor cresceu, tudo indica, menos de 0,5% em 2011. Os empresários têm reclamado muito do câmbio e dos importados.

Werlang: O câmbio brasileiro mudou de equilíbrio. Se o nível certo é R$ 1,80, R$ 1,90, R$ 1,70, eu não sei dizer, mas certamente mudou de equilíbrio. Nós temos muitas commodities para vender e o mercado global está interessado nelas. Um preço importante da nossa economia, que é taxa de câmbio, mudou, por motivos fundamentais. Isso tem que se refletir de alguma forma internamente. As atividades industriais tendem a se tornar naturalmente mais complementares à cadeia de commodities, e isso inclui não necessariamente os tipos tradicionais de indústria.

Valor: O setor de bens de capital que vende para o setor de petróleo teria um cenário promissor, por exemplo?

Werlang: É isso o que eu quero dizer, exatamente. O agronegócio também.

Valor: Mas o governo deve tentar mudar esse nível do câmbio?

Werlang: O governo já faz isso. Acho que faz sentido colocar uma barreira para entrada de capitais de curto prazo, principalmente de renda fixa. O IOF é isso. E acho que teve efeito já. Estruturalmente, a economia brasileira tem um juro real que é maior que o resto do mundo, por uma série de motivos. Efetivamente, existe um fluxo de entrada de capitais no Brasil que é diferente do resto do mundo, porque os juros reais são maiores. Então, ter uma medida como IOF na entrada de capitais faz parte. É bom não ter? É bom, mas pode ser utilizado. Você pode utilizar para corrigir algumas distorções que são persistentes ou existentes na economia. Quando o nosso juro real bater em 2%, ou um número menor, daí acabou, não fará mais sentido essa medida.

Valor: O que falta para o Brasil crescer a taxas mais elevadas de modo sustentado?

Werlang: Para crescer a uns 5% sem problemas, não são necessárias muitas coisas. Nós precisamos de um pouco mais de conscientização de que o investimento privado é fundamental. Dar mais segurança ao investimento de longo prazo é muito importante. Quanto mais segurança houver de que as regras não vão mudar, melhor.

Valor: Essa agenda ficou um pouco de lado?

Werlang: Podia ter sido feito com mais intensidade. Houve desaceleração na concessão de áreas de petróleo. A regulamentação de gasodutos poderia ter melhorado. Vão fazer três concessões de aeroportos. Por que não fazem mais? Deixar o setor privado ajudar um pouco mais o país é bom. O setor público não tem condição de fazer muita coisa. Não precisa de subsídio, é dar confiança. Isso é um ponto fundamental. O segundo ponto importante é a questão de reduzir o juro real de equilíbrio, que eu já mencionei.