Título: Zona do euro cresce mais que os EUA, mas deve frear
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Fonte: Valor Econômico, 18/08/2006, Internacional, p. A9

Num campo tão povoado de erros quanto o das estatísticas econômicas, cautela é sempre uma atitude sensata. Os dados divulgados nesta semana, porém, deixam pouca margem para dúvidas. Se a estimativa inicial de 0,9% para o segundo trimestre estiver correta - e as revisões de estatísticas européias, diversamente das americanas, têm tendido para maior - o Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro terá crescido à taxa anualizada de 3,7%, a mais rápida em seis anos. Pela primeira vez em sete anos, a zona do euro ultrapassou os EUA, Reino Unido e o Japão.

Será que na Europa continental, em calmaria por tanto tempo, finalmente há vento estufando suas velas? Isso seria conveniente para a economia mundial, porque os EUA, há tanto tempo a locomotiva do mundo, parecem estar diminuindo a marcha. Mas não espere que a velocidade da embarcação neste início do segundo semestre seja mantida na zona do euro, pois uma série de mudanças no curto prazo, nos ventos da economia, dificultarão a expansão das economias do euro. Mas o principal limitador de velocidade ainda é o mesmo velho problema: a relutância dos governos, especialmente de França, Alemanha e Itália, de adotar ousadas reformas estruturais.

Existem três razões de curto prazo para esperar águas um pouco mais revoltas na zona do euro. A que pode mais facilmente ser exagerada é a desaceleração nos EUA, onde o crescimento caiu para a taxa anualizada de 2,5% no segundo trimestre, e onde os consumidores certamente estarão menos dispostos a adquirir produtos de plástico alemães ou perfumes franceses.

De fato, o crescimento na zona do euro parece cada vez mais impulsionado pelos gastos de seus próprios consumidores, e não por exportações. A zona do euro como um todo depende das exportações muito menos do que seus países individuais: os 43% das exportações alemãs destinadas aos vizinhos europeus são computados como demanda doméstica no nível da zona do euro. E os EUA são menos importantes, como mercado de destino de exportações da zona do euro do que se poderia esperar. Nesse aspecto, o Reino Unido é mais importante; o mesmo vale, em conjunto, para outros países da União Européia (UE). E quando se trata de novos recentes mercados compradores (o que realmente importa para o crescimento da zona do euro) vale notar que a China está comprando uma parcela cada vez maior. Por outro lado, um desaquecimento americano não é, evidentemente, benéfico para os exportadores europeus.

A segunda razão para a expectativa de desaquecimento é que alguns países da zona do euro, especialmente Alemanha e Itália, deverão apertar os seus orçamentos. O fato de suas finanças públicas necessitarem de ajustes não é discutível; mas o particular momento e o estilo dos ajustes o são, particularmente na Alemanha.

Exatamente quando os consumidores alemães pareciam ter recuperado sua confiança, após anos de baixo crescimento salarial e preocupações com empregos e aposentadorias, o governo quer aumentar o imposto sobre o consumo em três pontos percentuais em janeiro próximo. Paradoxalmente, isso poderá impulsionar substancialmente o crescimento no segundo semestre deste ano, à medida que os gastos aumentarem para cobrir o aumento do imposto. Mas o imposto certamente segurará a economia no início de 2007.

Em terceiro lugar, o Banco Central Europeu (BCE) está insuflando menos ânimo do que antes na economia. O BCE começou a subir os juros em dezembro passado, e a expectativa é que se mantenha nessa postura pelo menos até o fim deste ano. Até agora, há poucos sinais de que esses aumentos nos juros estejam retardando o crescimento da zona do euro, mas depois de algum tempo a alta deverá surtir efeito. E o surto de atividade no segundo trimestre torna mais prováveis novas altas nos juros.

Pode-se indagar por que, se a demanda provavelmente cederá, o BCE está tão inclinado a aumentar a taxa de juros. A razão está não na demanda, mas na oferta. Ninguém sabe com certeza a que taxa a economia pode crescer sem fazer com que a inflação cresça consideravelmente; mas o BCE julga que um crescimento maior do que 2% parece perigosamente rápido. No segundo trimestre, a zona do euro parece ter crescido a quase o dobro desse seu ritmo sustentável.

Em comparação com os EUA, tudo isso parece bem fraquinho. Na realidade, os números precisam ser vistos no contexto de um crescimento populacional mais lento na Europa. Kevin Daly, economista do Goldman Sachs, destaca que, em termos do PIB per capita, a zona do euro cresceu quase tão rapidamente quanto os EUA na década passada. E o limite de velocidade na Europa pode estar aumentando: a inflação, embora acima da meta do BCE, tem sido estável embora a taxa de desemprego tenha caído.

Dito isso, há muita coisa que os governos deveriam fazer para tornar sustentável um crescimento mais rápido, ampliando a proporção de pessoas empregadas e ajudando a tornar as pessoas empregadas mais produtivas. Este seria um bom momento para fazê-lo: aqueles países que esquivaram-se de implantar reformas em períodos desaquecidos, preocupados com a dor que isso poderia causar, agora têm menos desculpas.

A concorrência em mercados de serviços é uma área que os políticos freqüentemente esquivaram-se de tratar. E em diversos países, pessoas demais são incentivadas a parar de trabalhar entre os 50 e 60 anos de idade. Em vista da tendência de crescimento no número de trabalhadores mais velhos, esse é um desperdício que a Europa não pode tolerar.