Título: Ação da Polícia Federal é profissional e educativa
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2006, Opinião, p. A10

A Operação Dilúvio, produto de quase dois anos de investigação da Polícia Federal (PF), pode ter alcançado a marca de uma centena de presos até ontem. Nas últimas três semanas, é a 11ª desencadeada pela PF - no ano, elas somam 71. Ela e a Operação Sanguessuga podem ser colocadas na lista de exemplares: uma, desbaratou um esquema que envolvia parlamentares, prefeitos, funcionários públicos e empresários; na outra, interrompeu-se uma fraude gigantesca de subfaturamento de importações que supostamente incrimina empresários e grandes empresas. A dos Sanguessugas foi a maior operação de caça a políticos corruptos; a Dilúvio, a maior operação contra fraudes no comércio exterior.

Independente da grandeza, contudo, deve ser destacada a atuação cada vez mais profissional da Polícia Federal, da Receita Federal, do Ministério Público e da Corregedoria Geral da União (CGU). A profissionalização não começou nesse governo e praticamente blindou essas instituições das ingerências políticas - tanto que não têm sido poupados políticos de oposição e de situação, nem o poder econômico, da mesma forma que estão sob a vigilância delas seus próprios funcionários. Em cada uma das grandes operações desfechadas pela PF, são indiciados policiais e funcionários públicos. Na Operação Dilúvio, foram presos nove funcionários da Receita e um do Ministério do Desenvolvimento, além de um funcionário da Secretaria de Fazenda de Santa Catarina.

Essa evidente autonomia não recomenda a interpretação de "politização" das ações dessas instituições. Isso seria desmerecer suas atuações, que em última instância democratizam a punição ao crime: não apenas os pouco poderosos estão sob o tacão da lei, mas também os muito poderosos. Essa é uma novidade na vida do país - uma boa novidade, que não pode ser desprezada.

A outra novidade é a eficiência dos serviços de inteligência. As grandes operações têm demorado, em média, dois anos, tempo suficiente para evoluir da evidência de crime de um mero operador do esquema até o seu mandante. Quando a operação é desencadeada, a PF já colheu provas de culpa dos poderosos e tem elementos para pedir a instauração de processos na Justiça. Reduziu-se substancialmente o espaço para pressão política em favor dos envolvidos ou para tentativas de suborno. Essas operações, bem como a prisão preventiva dos chefes dos esquemas, também funcionam como um inibidor de ilegalidades. Se, há pouco tempo, sonegar era uma prática tolerável na sociedade brasileira, a partir da atuação dessas instituições esse procedimento certamente começará a ser revisto.

Se a profissionalização desses órgãos é um processo que ainda remonta a outros governos, deve-se dar ao atual o mérito de ter conseguido colocá-los trabalhando articuladamente. Essa sintonia, de alguma forma, tem compensado a falta de estrutura de cada um deles. No caso das Sanguessugas, por exemplo, a fraude foi detectada pela CGU. A PF, no entanto, é importantíssima no processo, já que a ela cabe a investigação e a coleta de provas. A profissionalização tem se dado a nível de seus quadros e com a incorporação de procedimentos técnicos, mas são notórias as deficiências na sua estrutura.

Embora as operações de investigação e policiais estejam funcionando de forma cada vez mais eficiente, elas não se encerram em si mesmas. O gargalo continua sendo a Justiça. Se a ações de fiscalização e policial funcionam como um inibidor do crime, a morosidade judicial opera na mão contrária. Passado o flagrante, os indiciados são soltos - a punição depende do julgamento. A fila de processos e as facilidades de postergação do andamento do processo favorecem a impunidade. É preciso modernizar a Justiça e rever uma legislação processual que permite protelar indefinidamente julgamentos. A morosidade judicial recoloca na mesa o que uma operação policial eficiente retira: o poder econômico e político. São beneficiados aqueles que têm dinheiro para contratar os melhores advogados. No caso dos crimes que envolvem deputados federais, senadores, presidente e ministros, o foro privilegiado trabalha em favor da impunidade: a falta de vocação do Supremo Tribunal Federal (STF) para o julgamento de crimes comuns torna lentos os julgamentos e enorme a fila de processos. Nos anos de espera pelo julgamento - e condenação - o político criminoso pode continuar se candidatando.