Título: Ganha forma na Europa taxa das operações financeiras
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Fonte: Valor Econômico, 24/01/2012, Opinião, p. A10

Está cada vez mais evidente que alguns países da zona do euro vão começar a taxar as operações financeiras nos próximos meses. A França é o país mais entusiasmado. Ciente do forte apelo que esse tipo de taxação tem no eleitorado, o presidente Nicolas Sarkozy prometeu que vai implantá-la antes das eleições presidenciais de abril, à frente de outros países da região. Para ele, novos adiamentos são inaceitáveis.

De fato, faz tempo que Sarkozy tenta convencer seus pares a taxar as transações financeiras. Neste início de ano, ele colocou o assunto novamente em pauta. Com a grande maioria dos países da zona do euro pressionada por um alto endividamento e pela necessidade urgente de reduzir seus déficits, qualquer medida que signifique mais arrecadação passa a ser vista de forma positiva.

Passada a primeira onda da crise internacional, alguns países aplicaram impostos extraordinários no setor financeiro até porque os bancos voltaram a apresentar lucros polpudos. O Reino Unido e a França, por exemplo, taxaram temporariamente em 50% os bônus pagos aos altos executivos do setor. Mas os valores arrecadados ficaram bem distantes do valor gasto para salvar os bancos. O custo fiscal do apoio dos governos do G-20 aos bancos na forma de injeção de capital e compra de ativos custou o equivalente a 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB), chegando entre 4% e 6% nos mais afetados, calculou o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Concebida inicialmente como instrumento de regulação e controle do setor financeiro, a taxação passou a ser encarada como instrumento de arrecadação. A ideia é que os bancos, grandes responsáveis pela crise, colaborem com o saneamento das finanças públicas.

Há propostas para taxar os bancos ou as operações financeiras. Os Estados Unidos pretendem taxar em 0,15% os bancos com ativos superiores a US$ 50 bilhões, anualmente, o que deve render de US$ 90 bilhões a US$ 117 bilhões em 10 a 12 anos, e esse imposto seria cobrado até cobrir o Troubled Asset Relief Program (Tarp). A Europa optou por taxar as operações financeiras. A Comissão Europeia sugere um imposto de 0,1% sobre os negócios com ações e títulos e de 0,01% sobre derivativos, o que renderia € 55 bilhões (cerca de US$ 70 bilhões), dos quais € 10 bilhões para a Alemanha e € 12,5 bilhões para a França.

Um dos mais ilustres defensores do imposto sobre as transações com títulos foi John Maynard Keynes, que já debatia o papel dessa tributação na contenção de bolhas especulativas e seu desestímulo à livre empresa. O segundo maior foi James Tobin, que em 1978 propôs uma taxa de 1% em todas as transações internacionais, para limitar o fluxo de capital que prejudica os esforços dos governos de regular a demanda agregada e o câmbio. Na década de 1990, a chamada "Tobin tax" ganhou o apoio do movimento antiglobalização.

Sarkozy já conseguiu o apoio da chanceler alemã Angela Merkel, o que é sinal inequívoco de que o projeto tem boas chances de virar realidade. Sob o comando de Silvio Berlusconi, a Itália havia mostrado resistência à taxação das operações financeiras; mas, com Mario Monti na presidência, a mudança foi substancial. Às voltas com uma das maiores dívidas da zona do euro, de € 1,9 trilhão, a Itália enfrenta também uma das maiores evasões fiscais da região, estimada em € 120 bilhões por ano pelo próprio governo e tem uma economia paralela equivalente a 17% do Produto Interno Bruto (PIB). Monti está implementando programa de recuperação de impostos não pagos que pretende pôr a mão em € 13 bilhões neste ano e, naturalmente, não rejeitaria os bilhões de euros obtidos do mercado financeiro. Além disso, já disse que essa arrecadação extra permitiria ao governo aliviar a carga das famílias.

Nem todos, no entanto, estão dispostos como Sarkozy a sair na frente e impor a taxação unilateralmente. Monti, que foi aluno de Tobin em Yale, por exemplo, preferiria que todos os 27 membros da União Europeia aplicassem a taxação. O partido da coalização de Merkel tem a mesma posição. Mas o Reino Unido já descartou veementemente o imposto e só o adotaria se fosse global. A sempre realista Merkel acha mais provável que a taxação emplaque nos 17 países da zona do euro.

Se for aplicada unilateralmente, a taxação irá encarecer as operações onde estiver em vigor, estimulando a sua transferência para praças livres do imposto. Isso não será problema em mercados mais abertos como os europeus. A questão é que essa arbitragem pode acabar esvaziando o poder de fogo da taxação.