Título: Financiar as contas externas vai exigir um pouco mais de esforço
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Fonte: Valor Econômico, 10/01/2012, Opinião, p. A8

Apenas na primeira semana do ano o Brasil captou no mercado internacional US$ 2,6 bilhões. Os recursos foram levantados em três operações, do Tesouro (US$ 825 milhões), da Vale (US$ 1 bilhão) e do Bradesco (US$ 750 milhões). O dinheiro não só estava disponível como custou pouco. O Tesouro pagou pelos bônus de dez anos a menor taxa de todos os tempos, 3,449% ao ano, metade dos 7% que têm custado à Itália rolar sua dívida.

Animadas pela excepcional receptividade, outras empresas preparam-se para testar as águas internacionais. Mas esse clima auspicioso no mercado de captações certamente não será a característica do ano todo. Tudo indica que o resultado das contas externas será neste ano bem diferente do que foi em 2011. De acordo com os números do movimento de câmbio, que acabam de ser divulgados pelo Banco Central (BC), o fluxo de capital para o Brasil foi de US$ 65,279 bilhões em 2011, o segundo melhor da história, depois dos US$ 87,5 bilhões de 2007, e duas vezes e meia o obtido em 2010.

Pela conta comercial, que inclui comércio exterior, inclusive o financiamento dessas operações, entraram US$ 43,95 bilhões; e pela financeira, US$ 21,329 bilhões. O desempenho da balança comercial surpreendeu. No início de 2011, esperava-se que o saldo do ano ficasse em US$ 8 bilhões, mas ele chegou a US$ 29,8 bilhões, turbinado principalmente pelo aumento dos preços das commodities, que representam dois terços das exportações.

Um quadro mais detalhado será conhecido ao fim do mês, quando o BC divulgar as contas externas de 2011. Mas os números disponíveis até novembro explicam boa parte da história. Além do efeito da melhoria dos termos de troca na balança comercial, as contas externas foram beneficiadas pelo crescimento do investimento estrangeiro direto (IED). Até novembro, o déficit em conta corrente de 2011 estava em US$ 45,8 bilhões, equivalente a 2,03% do Produto Interno Bruto (PIB), um número recorde, compensado pela entrada igualmente recorde de US$ 60,1 bilhões de investimento estrangeiro direto. Os empréstimos externos e captações com títulos de longo prazo somaram mais US$ 44,7 bilhões.

Mas o aprofundamento da crise internacional aconselha cautela nas previsões para este ano. Com o planeta crescendo menos, o comércio internacional tende a diminuir e os preços das commodities perderão a sustentação, afetando o desempenho da balança comercial. Até a China, principal importador do Brasil, vai crescer menos. Na previsão do BC, o saldo da balança comercial deve ser de US$ 23 bilhões neste ano; para outras fontes, pode ficar abaixo de US$ 20 bilhões.

Além disso, a crise tende a aumentar as remessas de lucros e dividendos para cobrir as dificuldades das matrizes de empresas estrangeiras e a reduzir a entrada de investimento estrangeiro. O mercado de câmbio já mostra essa tendência. Desde outubro, a conta financeira fecha no vermelho, totalizando saldo negativo de US$ 3 bilhões no quarto trimestre. As remessas de lucros e dividendos ao exterior somaram de janeiro a novembro US$ 33,4 bilhões, 33,6% a mais do que em igual período de 2010, e devem ter fechado o ano em US$ 38 bilhões.

Outro sinal de alerta vem das próprias captações externas, motivo de euforia na semana passada. Os recursos obtidos com empréstimos e a venda de títulos no exterior somaram US$ 44,4 bilhões em 2011 até novembro, 21,7% a menos do que em igual período de 2010. Mais da metade desse dinheiro foi captado no primeiro trimestre, minguando depois que o governo passou a aplicar o IOF nas transações de curto prazo para desestimular o "carry trade" que estava derretendo a cotação do real.

O próprio Banco Central exibiu previsões cautelosas nas projeções do balanço de pagamentos divulgadas no Relatório de Inflação de dezembro. Para o BC, o déficit em conta corrente chegará a US$ 65 bilhões neste ano, equivalente a 2,4% do PIB; e, pela primeira vez em 11 anos, não será coberto pelos investimentos estrangeiros diretos, previstos em US$ 50 bilhões. No mercado financeiro há previsões de um déficit em conta corrente de até US$ 70 bilhões e de investimentos estrangeiros de US$ 45 bilhões.

No passado, previsões como essas poderiam convulsionar os mercados. Não é o caso agora, quando o Brasil tem outras alternativas de financiamento das contas externas, sem falar nas reservas de US$ 352 bilhões, que cobrem com sobra a dívida externa total de US$ 301,5 bilhões, em novembro, dos quais apenas 15% vencem em um ano. Mas cautela nunca é demais em se tratando de balanço de pagamentos.