Título: Pão de Açúcar adota uma nova política de preços
Autor: Facchini, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2006, Empresas, p. B4

A deflação nos preços dos alimentos coloca em xeque uma forte tradição dos supermercados brasileiros: as ofertas. O varejo sempre focou sua artilharia nas promoções. Hoje, porém, com a deflação, nem as lojas nem as indústrias têm margem de manobra suficiente para conceder descontos pontuais nos preços para, depois, aumentá-los novamente.

Conhecido como sobe-e-desce (ou "high and low" em inglês), esse movimento é altamente difundido no Brasil. Tanto assim que os investimentos em propaganda feitos pelos supermercados e pelos fabricantes de bens de consumo são dirigidos, em grande parte, para as campanhas promocionais e os anúncios de oferta, como os milhares de folhetos distribuídos nas lojas todos os dias.

Esse modelo, porém, sempre foi criticado pela multinacional Wal-Mart, onde oferta e promoção são palavras proibidas. A gigante americana, a maior varejista do mundo, sempre tentou trazer para o Brasil a sua política de "preço baixo todos os dias" (conhecida internamente como "every day low price"), mas, como não era grande o suficiente até a aquisição das redes Bompreço e Sonae, também nunca teve cacife para ditar as regras no país. Isso, porém, começa a mudar.

Nos EUA, a vantagem competitiva do Wal-Mart foi construída em cima de sua eficiência logística, que lhe permitiu ter preços mais baixos e esmagar a concorrência. As ofertas, embora tenham um poder de sedução inegável, podem ter efeitos colaterais nocivos. Os descontos podem gerar no consumidor uma percepção negativa, ao mostrar que o produto em questão poderia ser, afinal de contas, vendido mais barato sempre.

Não é o só o Wal-Mart agora que fala em preços baixos todos os dias. O grupo Pão de Açúcar, a maior cadeia de supermercados do Brasil, também aderiu a esse modelo e deu início neste ano a uma ampla revisão na sua política de preços.

"Não se constrói uma imagem de preço baixo da noite para o dia. Não adianta vender barato. O consumidor precisa perceber isso", disse Abilio Diniz, presidente do conselho de administração do grupo, durante conferência com analistas de investimentos realizada ontem pela empresa.

Além do presidente executivo, Cássio Casseb, a companhia colocou à disposição dos analistas o seu corpo de diretores para fornecer maiores detalhes sobre os resultados do segundo trimestre, que ficaram aquém das expectativas. E um dos motivos para a queda no lucro foi justamente a política mais agressiva de preços, principalmente no Rio de Janeiro, onde a rentabilidade da empresa foi pior.

Segundo Casseb, a empresa está revendo sua estratégia de preços. Para os 10 ou 20 produtos mais consumidos, a varejista está abandonando o "sobe-e-desce" e passou a colocar placas nas prateleiras que informam, que há tantos dias o preço daquele produto não é alterado.

Curiosamente, durante o repique da inflação, após a mudança no regime cambial, em 1999, o Pão de Açúcar pressionava os fornecedores que aumentavam seus preços, colocando nas gôndolas cartazes com a inscrição "diga não a esse produto".

Mas a história é outra. A deflação nos preços é uma nova realidade com a qual os supermercados estão aprendendo a conviver. O Pão de Açúcar, em especial, foi mais afetado porque a rede também reduziu em 2% a sua área de vendas ao fechar 18 lojas deficitárias. Segundo Casseb, essa lojas vieram de aquisições passadas e só não foram fechadas antes devido às restrições anti-truste.

O grupo, porém, vem investindo em novos terrenos e deve fechar o ano com uma expansão de 3% na área de vendas. Se no começo do ano a rede possuía só cinco imóveis em estoque, hoje já tem 30 terrenos. Serão abertas 16 lojas ainda em 2006 e outras seis começarão a ser construídas. Em 2007, devem ser abertas mais de 30 unidades.

Por enquanto, os consumidores canalizaram o aumento da renda para as prestações, comprando bens duráveis, como aparelhos de TV. No Pão de Açúcar, a inadimplência registrou um forte crescimento em julho, o que indica que esse movimento já pode estar se esgotando.