Título: Desoneração cria atrito entre Furlan e Fazenda
Autor: Leo, Sérigio e Galvão, Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2006, Brasil, p. A3

Mesmo comandado por economistas vinculados às chamadas correntes "desenvolvimentistas" na economia, o Ministério da Fazenda reagiu agressivamente ao anúncio, feito pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, de que o governo estuda novas medidas de redução de impostos para estimular o investimento. "O problema da restrição fiscal é muito grave", argumentou o secretário de Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ao visitar a sala de imprensa da Fazenda exclusivamente para negar, com veemência, a previsão feita por Furlan, de novas medidas de "desoneração" tributária.

Furlan, que se licenciou nesta semana para cuidar de problemas de saúde na família, deu entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo", publicada na quarta-feira, informando que o governo estuda novo pacote de redução da carga tributária sobre máquinas e equipamentos (bens de capital), construção civil e também estímulos para investimentos no segmento de componentes eletrônicos e microprocessadores (semicondutores). O anúncio de Furlan surpreendeu técnicos que começaram há poucos dias a estudar alguns desses temas, e irritou as autoridades na Fazenda, que descartam medidas de redução de imposto neste ano.

"Nos semicondutores, nem que o governo arriasse as calças, não tem espaço", reagiu, com severidade, o secretário de Política Econômica. "Medidas serão anunciadas, mas não tem nada a ver com compensação pelo aumento de carga tributária, não é para este ano; o horizonte é bem maior", disse Gomes de Almeida. No Rio Grande do Sul, em evento com empresários onde anunciou medidas para ressarcir exportadores pelo imposto pago indevidamente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, endossou as palavras do assessor, e não confirmou medidas de desoneração para este ano.

Na opinião de Almeida, esperar redução de tributos para semicondutores em 2006 "somente pode vir de gente que não entende do assunto". Apesar da reação, ele minimizou o atrito com o ministério de Furlan e disse que a entrevista do ministro não causou mal estar, porque ele teria dado informações "corretas" sobre as intenções do governo de apoiar a produção. "Estamos estudando esses temas, mas a discussão enveredou para uma desoneração que não vai ocorrer", tentou explicar.

Segundo Gomes de Almeida estão em elaboração medidas de apoio ao setor da construção civil, mas não haveria desoneração. Ele admitiu "ajustes" de tributos para alguns materiais de construção, desde que não haja redução da arrecadação "na média".

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já informou que quer permitir o uso do crédito com desconto na folha de pagamento para a habitação. O objetivo é facilitar contratos de longo prazo para compra da casa própria, com custos menores, porque a operação terá menos risco. Além disso, o governo vai permitir que os bancos façam operações com taxas de juros fixas, eliminando a TR. "Estamos estudando várias outras, mas essas o ministro (Mantega) já anunciou", informou Gomes de Almeida.

Ele revelou também que Mantega pediu pressa nos estudos sobre habitação, mas ponderou que a preocupação do ministro da Fazenda é não perder a oportunidade de aproveitar a experiência acumulada com o chamado crédito consignado. "A gente já está maduro", explicou.

Assessores de Furlan estranharam o desmentido ríspido de Gomes de Almeida, lembrando do último posto do economista, como diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), em que ele foi uma das principais vozes de defesa de medidas de redução de impostos e estímulo à produção. O chamado pacote cambial, com mudanças nas regras para operação com moeda estrangeira, também foi anunciado por Furlan e negado pelo Ministério da Fazenda, até que reconheceram sua adoção, lembrou um graduado assessor do Ministério do Desenvolvimento.

Alguns técnicos admitem, porém, que Furlan teria se precipitado, e anunciado como decisão temas que ainda estão em fase inicial de debate dentro do governo, entre eles o do apoio à indústria de semicondutores. Furlan chegou a anunciar a possível migração, para o Brasil, de um segmento da linha de montagem de chips da Intel, hoje distribuída entre a Costa Rica e os Estados Unidos - hipótese considerada remota pelos especialistas do próprio governo.

"Para semicondutores não tem desoneração neste ano e nenhuma escola deixará de ser feita por conta do pacote", esclareceu, categórico, o secretário de Política Econômica. Gomes de Almeida revelou que, nesta semana, está reunido com os maiores especialistas do Brasil na área de eletrônica e semicondutores e ainda não se chegou na fase de propostas ou na análise de renúncias fiscais.

Reduções de impostos exigiriam aumento na tributação em outros itens para preservar a arrecadação, assegurou o secretário. Quanto a uma nova redução de impostos cobrados sobre bens de capital, o secretário afirmou que o tema nem sequer está em estudo pelos técnicos. Na quarta-feira, outro ministro, Paulo Bernardo, do Planejamento, havia também declarado que o governo estuda possível redução de imposto para compra de máquinas e equipamentos, uma reivindicação constante dos empresários - e uma das bandeiras do Iedi.

Ao procurar os jornalistas para desautorizar Furlan, o secretário Júlio Sérgio Gomes de Almeida classificou de "tiroteio" o noticiário sobre um futuro pacote de "bondades" do governo para o setor produtivo. "Tiroteio, que digo, é na imprensa", esclareceu, insistindo em negar desentendimento entre os dois ministérios.