Título: Na economia, Dilma repete olhar de Lula sobre Cuba
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2012, Brasil, p. A3

Sob pressão, a presidente Dilma Rousseff desembarca hoje em Havana, primeira escala de uma viagem de três dias ao Caribe. Para constranger o regime castrista, a oposição manifestou interesse em ter um encontro com a presidente. Ela também é cobrada a condenar a violação dos direitos humanos em Cuba. Dilma não fará nem uma coisa nem outra.

Numa hábil manobra da diplomacia brasileira, grande parte da pressão sobre a presidente se esvaziou depois que o Itamaraty concedeu o visto de entrada no país à blogueira Yoani Sánchez, que publica na internet o blog "Generacion Y", com duras críticas ao governo cubano, um dos últimos ícones da Guerra Fria em todo o planeta.

A concessão do visto foi uma forma de Dilma demonstrar que é diferente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há um ano, Lula estava na ilha, quando um dissidente cubano, Orlando Zapata Tamoyo, morreu na prisão, depois de 85 dias de greve de fome.

Em vez de condenar o regime por manter presos políticos e se manter impassível diante da greve, o ex-presidente causou constrangimento ao insinuar que Zapata não passava de um criminoso comum e apenas lamentar que uma pessoa se deixasse morrer por uma greve de fome.

A bola agora está com o governo cubano, que pode ou não conceder uma "permissão de saída" para Yoani participar do lançamento, na Bahia, no dia 10, de "Conexão Cuba-Honduras", um documentário sobre a liberdade de expressão, realizado pelo cineasta brasileiro Cláudio Galvão. Yoani é uma das protagonistas.

Uma infeliz coincidência marca a viagem de Dilma a Cuba: a morte de outro dissidente na prisão, Wilman Villar Mendonza, devido a complicações de saúde, depois de 56 dias de greve de fome. Mas será surpresa se Dilma receber algum dissidente ou fizer uma condenação da violação de direitos humanos em Cuba. No máximo a presidente pode repetir o que já falou no discurso de abertura da Assembleia Geral da Nações Unidas, quando afirmou que "há violações em todos os países, sem exceção".

Cuba e Haiti, etapa seguinte da viagem da presidente, transformaram-se em países estratégicos para o governo brasileiro na era PT. Tanto na gestão de Lula como agora, com Dilma, avalia-se que é uma questão de tempo a flexibilização nas relações de Havana com Washington.

Pode levar um, dois, dez ou 20 anos, mas quando isso ocorrer o país quer estar bem posicionado na ilha, cuja localização próxima aos EUA é considerada estratégica - a distância em relação a Miami é de 150 quilômetros. Com o fim do embargo, Cuba reúne todas as condições para se tornar um entreposto de distribuição e comércio para toda a região do Caribe e porta de entrada para os Estados Unidos.

A principal aposta do governo brasileiro - e de Cuba -, nesse novo contexto, é a construção do porto de Mariel, a cerca de 50 quilômetros de Havana, cujas obras serão visitadas por Dilma. Trata-se de investimento de aproximadamente US$ 1 bilhão, a maior parte em execução pela construtora Odebrecht, com financiamento do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

No dia 25 deste mês, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou a liberação de uma parcela de US$ 230 milhões do financiamento para as obras, projeto que, no total, deve chegar a US$ 600 milhões. Esse valor equivale só à parte brasileira das obras. Na região do porto de Mariel, os cubanos também pretendem instalar um polo industrial. A Odebrecht planeja executar no país projetos de energia a partir da biomassa da cana-de-açucar e de outros produtos agrícolas.

Com investimento de alguns milhões de dólares, o Brasil adquire o direito de participar de uma pequena comunidade de nações - Espanha, China, Venezuela - que ajudam no esforço do regime de Cuba para fazer a transição de um modelo econômico fechado para um regime de mercado. De forma gradual, como as autoridades cubanas acreditam ser possível.

Mariel é a maior aposta brasileira em Cuba. O investimento no projeto de exportação de bens e serviços representa cerca de 70% de todo os financiamentos do BNDES em operações que têm Cuba como destino final, nos últimos 15 anos.

O total desembolsado pelo banco para Cuba, no período, é de cerca de US$ 330 milhões. É pouco, quando se tem como referência países como Argentina e Venezuela - US$ 3,1 bilhões e US$ 1,2 bilhão, no mesmo período. Mas Cuba já é o sétimo país com mais financiamentos em toda a América Latina, no período de 1997 a 2011, à frente de México, Bolívia e de dois parceiros do Mercosul, Uruguai e Paraguai. No total, o banco financiou exportações no valor de US$ 8 bilhões para 18 países latino-americanos nesses 15 anos.

Em 1997, as operações com Cuba eram um traço nas planilhas do BNDES. Os contratos começaram efetivamente no ano seguinte, com o desembolso de US$ 181 mil e chegaram aos US$ 133 milhões em 2011. A tendência é que esses valores sejam aumentados.

O porto de Mariel, isoladamente, é o grande projeto da carteira do banco com Cuba. Mas há também exportações pulverizadas, de equipamentos para o setor de turismo (banana boats, quiosques, materiais de mergulho), equipamentos para colheita de arroz, cana, materiais fármacos, geradores.

Durante a visita de Dilma será anunciado também um incremento de US$ 50 milhões numa linha de financiamento de US$ 350 milhões do Proex para a aquisição de alimentos, uma antiga reivindicação de Cuba.

Além dos encontros protocolares com Raul Castro, atual presidente de Cuba, Dilma também deve conversar com Fidel Castro. Ela fará reverências à revolução cubana, como a colocação de flores no monumento a José Martí.