Título: Um alívio para o bolso
Autor: Cristino, Vânia; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 23/09/2010, Economia, p. 16

Graças à queda da inadimplência, com um recuo de 4,2% em 12 meses, as famílias pagam pelos financiamentos os menores juros em 16 anos. Mas as taxas ainda permanecem elevadas Vânia Cristino Victor Martins

O consumidor está, finalmente, tendo algum benefício em razão da queda da inadimplência. Depois de aumentar levemente em julho, os juros cobrados pelos bancos em suas operações de empréstimo com as pessoas físicas recuaram 0,6% em agosto, batendo em 39,9% ao ano, patamar mais baixo em 16 anos, porém, ainda alto. Pela primeira vez desde 1994, data do início da série histórica do Banco Central sobre o comportamento do crédito, a taxa média para as famílias ficou abaixo de 40% ao ano.

Em 12 meses, a queda dos juros médios pagos pelos brasileiros nas suas operações de crédito é expressiva. O recuo foi de 4,2%. No mesmo período, o volume de calotes recuou 2,1%, chegando a 6,2% das operações contratadas pelas pessoas físicas em agosto. Na visão do chefe adjunto do Departamento Econômico do Banco Central, Túlio Maciel, o declínio da inadimplência é a explicação para o recuo nas taxas cobradas das pessoas físicas.

Por outro lado, no caso das empresas, onde a inadimplência vem se mantendo praticamente estável, em torno de 3,6% das operações, a situação é diferente. A taxa média de juros vem até subindo. O aumento foi de apenas 0,2% no mês, com a taxa chegando a 28,9% ao ano em agosto. Em 12 meses, no entanto, a elevação já começa a ser expressiva. As empresas que estão precisando de dinheiro hoje estão pagando, em média, 2,5% a mais de juros aos bancos.

Oferta em alta Em condições mais favoráveis de financiamento não são apenas os juros em queda, mas também os prazos das operações estão mais dilatados, alcançando 536 dias para as pessoas físicas , o Banco Central reviu para cima o percentual de crescimento do crédito este ano. No lugar dos 20% estimados até então, o BC agora acredita num crescimento anual de 22%.

Nosso ajuste já reflete o que vem acontecendo nos últimos meses, com crescimento forte da atividade econômica e confiança em alta do consumidor, explicou Maciel. O volume total de crédito alcançou R$ 1,58 trilhão em agosto, o equivalente a 46,2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país). Para o fim do ano, o BC prevê que a relação crédito/PIB chegue a 48%.

No volume de recursos à disposição de pessoas e de empresas, o maior crescimento se dá no crédito direcionado para o setor de habitação, por exemplo. Graças aos repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o BC agora estima um crescimento de 30% nessa modalidade (a estimativa anterior era de 26%) e de 18% para o crédito livre (a estimativa anterior era de 17%).

Liderança O Banco Central também fez nova projeção para o crescimento do crédito por tipo de instituição financeira. Os bancos públicos vão continuar liderando o processo. Na avaliação do BC, a previsão de crescimento da carteira dessas instituições financeiras estatais subiu de 20% para 24%.

Ao mesmo tempo, o BC reviu para baixo a expectativa de expansão do crédito dos bancos privados nacionais, de 24% para 22%. Já os bancos privados estrangeiros tiveram um salto significativo, de 9% para 14%. Foi justamente esse segmento que mais contraiu a oferta de crédito durante a crise financeira internacional.

"Nosso ajuste já reflete o que vem acontecendo nos últimos meses, com crescimento forte da atividade econômica e confiança em alta do consumidor Túlio Maciel, chefe adjunto do Departamento Econômico do BC

Veículos ajudam a turbinar o crédito Contribuiu para a queda dos juros para os consumidores o aumento das operações de crédito nas duas modalidades mais baratas de financiamento na praça: a do crédito consignado e a de financiamento para veículos. A taxa do crédito com desconto em folha estava em 26,4% ao ano em agosto e a do financiamento de veículos, em 23,4% ao ano os menores níveis desde 1994, quando o Banco Central iniciou o levantamento.

O consignado já representa 60,7% de todo o crédito pessoal. São R$ 129,7 bilhões de um total de R$ 213,5 bilhões. Não é para menos. Quem pode pegar esse tipo de financiamento não vai para o empréstimo pessoal, cuja taxa representa mais que o dobro, chegando a 55,3% ao ano. Quando se joga o crédito com desconto em folha dentro do crédito pessoal, a taxa média cai para 42% ao ano.

No financiamento de veículos, vem ocorrendo uma situação curiosa. Há meses, o Banco Central tem detectado uma migração do leasing uma espécie de aluguel, onde o comprador do veículo só é o dono de fato após o pagamento da última prestação para o financiamento direto ao consumidor. As condições hoje estão muito parecidas e o consumidor prefere ter, no ato da compra, o veículo em seu nome, observou o chefe adjunto do departamento Econômico do Banco Central, Túlio Maciel.

Pesquisa A enfermeira Iolanda Viana, 34 anos, está entre os milhões de brasileiros que têm se beneficiado do crédito farto e dos juros mais em conta, especialmente para veículos. Com a queda das taxas em agosto, ela decidiu que era o momento de adquirir um carro zero-quilômetro. Pesquisei um pouco e nas últimas semanas decidi por um novo Uno. Vou pagar em 72 prestações, contou, orgulhosa, sobre a aquisição. Meus últimos três carros eram velhos. Esse é o primeiro novo. Está muito fácil conseguir um financiamento. Hoje, comparado com antigamente, há bem menos burocracia.

Assim como Iolanda, milhões de brasileiros estão em busca de um carro novo e estão impulsionando não só a venda de automóveis, mas também a carteira de empréstimos para esse segmento. O volume de crédito concedido para o financiamento de veículos alcançou, em agosto, R$ 120,8 bilhões. As operações via leasing somam outros R$ 52,2 bilhões. A modalidade de crédito já chegou a representar cerca de 45% das operações de financiamento no mercado. Agora, a participação baixou para 30,2%.

Mais em conta O autônomo Valdo Rodrigues, 40, não achou vantagem no leasing e optou por financiar seu carro zero direto na concessionária. Mesmo sem possuir comprovante de renda, conseguiu o financiamento. Vale muito a pena financiar um carro novo. A taxa é mais em conta que a do carro usado, avaliou. Para Rodrigues, há alguns anos, seria impossível comprar um carro à prestação, ainda mais sem um contracheque e carteira assinada.

Com tantos brasileiros se motorizando, o crédito para financiamento de veículos explodiu em 12 meses até agosto, o BC registrou um avanço de 41,6%. No acumulado do ano, o crescimento também foi expressivo, atingindo 28,3% nos primeiros sete meses de 2010. (VC e VM)

O número R$ 120,8 bilhões Volume de dinheiro liberado para a aquisição de automóveis até o mês passado