Título: CPI das Sanguessugas pede processo contra 72 parlamentares
Autor: Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2006, Política, p. A7

A CPI das Sanguessugas aprovou ontem relatório parcial no qual pede abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra 72 políticos (69 deputados e três senadores) acusados de envolvimento com a máfia que fraudava a compra de ambulâncias. Da lista inicial de suspeitos, a comissão de inquérito absolveu 18 deputados contra os quais não havia provas de participação no esquema. Os nomes serão enviados às Mesas Diretoras da Câmara e do Senado e seguirão para os respectivos Conselhos de Ética.

A exemplo do escândalo do mensalão, na atual investigação os parlamentares da base aliada ao governo Lula formam a maioria esmagadora dos suspeitos de envolvimento. Dos 72, 63 são de partidos da base, com destaque para o PL (com 18), PTB (16), PP (13) e PMDB (8). O PT tem dois envolvidos enquanto o PRB, do vice-presidente José Alencar, tem um dos dois deputados de sua bancada na lista. A oposição contribui com apenas nove congressistas, sendo sete do PFL. Os tucanos têm apenas um parlamentar na lista, mesmo assim ele já pediu desligamento diante da ameaça de expulsão. O outro oposicionista é do PSC.

Dentre os Estados, aqueles com maiores representantes envolvidos são Rio de Janeiro (13), São Paulo (9) e Paraíba (7). O destaque, porém, fica com o Mato Grosso, sede da empresa Planam, tida como a grande organizadora de todo o esquema de superfaturamento: além da senadora Serys Slhessarenko, cinco dos oito deputados do Estado constam da lista dos enviados ao Conselho de Ética.

A elaboração da lista foi tensa e só terminou pouco depois das 5h de ontem. Na manhã de terça-feira, integrantes da CPI defendiam o envio de 76 para os Conselhos de Ética. À noite, o número mudara para 73. Durante a madrugada, houve pequenos ajustes no relatório. A aflição tomou conta do relator, senador Amir Lando (PMDB-RO). Pouco antes das 5h, o telefone do presidente da CPI, Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), tocou. Era Lando. "Estou na dúvida sobre um nome", revelou o senador, dividindo sua agonia. "Faça o que sua consciência mandar, senador. Ficamos a noite inteira trabalhando nisso", respondeu o petista. A lista final só foi fechada pouco depois das 5h.

A idéia inicial de Lando era enviar uma lista de 50 parlamentares ao Conselho de Ética. Outros 25 entrariam em um grupo intermediário sobre quem as investigações ainda teriam de avançar. Seriam investigados pela Corregedoria da Câmara. Em reunião de três horas na tarde de terça-feira, Lando reuniu-se com os sub-relatores e o presidente Biscaia. O clima foi tenso. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) chegou a levantar da mesa para pedir que Lando não esquentasse a pizza e sofresse conseqüências político-eleitorais. "Senador, você tem que sobreviver! Você tem que sobreviver!", exaltou-se Gabeira.

No debate sobre os senadores, Lando caminhava pela sala da reunião, aflito. Dentre os acusados, estava o líder de seu partido, Ney Suassuna (PB), de onde partia fortíssima pressão. A senadora Heloísa Helena (P-SOL-AL), candidata à Presidência da República, não encontrava "elementos suficientes" para incriminar o colega Magno Malta (PL-ES). Biscaia explicou que as investigações refutam a versão de Malta.

O senador é acusado de receber um carro da Planam e usá-lo por dois anos. Sua versão é de que o carro foi emprestado pelo deputado Lino Rossi (PP-MT) e ele não tinha conhecimento da origem do veículo. A comissão diz ter convicção de que o carro foi emprestado diretamente a Malta. O senador teria se comprometido a fazer emendas ao Orçamento para a compra de ambulâncias superfaturadas. "Se isso não é quebra de decoro, então eu não sei mais o que é quebra de decoro", afirmou Biscaia.

No fim da reunião, Biscaia e os sub-relatores conseguiram convencer Lando de que todos deveriam ir ao Conselho de Ética. O órgão definiria a punição sobre cada parlamentar. O senador pediu apenas que os parlamentares não vazassem a lista na saída do encontro. Ficaria até a madrugada terminando o trabalho. Na sessão de ontem, Lando mostrou-se convencido.

A sessão da CPI de ontem foi tranqüila. Lando leu apenas um resumo do relatório e foi imediatamente saudado pelos colegas. O senador Wellington Salgado (PMDB-MG), da tropa de Ney Suassuna dentro da CPI, havia anunciado pedido de vista do relatório, o que adiaria a votação para terça-feira.

O clima, porém, era de votação imediata. Diversos parlamentares, com pressa de voltar aos Estados para continuar a campanha, pediram que até os discursos previstos fossem abreviados. "Não adianta pedir vista. Já percebi que todos os meus colegas estão querendo aprovar o relatório de qualquer forma", afirmou, durante a sessão.

Salgado acusou os colegas de fazer julgamento sem provas. "A CPI vai perder a credibilidade porque diversos desses acusados serão inocentados. Não precisa de coragem para acrescentar alguém na lista de culpados. É preciso coragem para ampliar a lista de absolvidos", protestou. No final da reunião, Biscaia colocou o relatório em votação. Wellington foi o único voto contrário. Sibá Machado (PT-AC) se absteve. Os demais aprovaram o documento, que tem 975 páginas sem contar os anexos.

Os nomes dos 72 parlamentares seguem agora para as mesas da Câmara e do Senado. Esses órgão enviarão os processos aos Conselhos de Ética. Os primeiros julgamentos deverão acontecer só no início de 2007. No fim da sessão, o presidente Biscaia comemorou a aprovação do relatório parcial. "Pizza não houve. A CPI alcançou seu resultado", afirmou. Os integrantes da comissão partirão, agora, para as investigações do Executivo. Paralelamente, trabalharão pelo fim do voto secreto nas votações de perda de mandato para evitar absolvições em massa.