Título: Brasil está em forma para enfrentar crise e ter juros menores, diz Viñals
Autor: Ribeiro,Alex
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2012, Finanças, p. C8

O melhor que o Brasil pode fazer para se proteger de um eventual agravamento da crise da Europa é ajudar a reforçar o caixa do Fundo Monetário Internacional (FMI) para evitar o contágio da economia mundial, afirma o diretor do Departamento Monetário e Mercados de Capitais do organismo, José Viñals.

"O melhor é evitar que esses choques ocorram", afirmou Viñals, que recebeu o Valor em seu escritório em Washington na semana passada. "Talvez o melhor investimento que todo o mundo pode fazer é colocar em prática um escudo global."

O FMI está passando o chapéu entre os seus principais acionistas para arrecadar US$ 500 bilhões, dobrando o seu poder de fogo para combater uma possível piora no ambiente financeiro global. O Brasil está inclinado a contribuir, mas os Estados Unidos, principal sócio do Fundo, resistem. Na sexta-feira, o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, indicou pela primeira vez que pode mudar de opinião.

O presidente americano, Barack Obama, disputa a reeleição neste ano, e os candidatos de oposição têm afirmado que a Europa é rica o suficiente para resolver os seus próprios problemas. "Esse não é um problema europeu, é um problema global", afirma Viñals.

Viñals é o chefe do departamento do FMI encarregado de apontar os riscos financeiros que ameaçam a economia mundial. Na semana passada, um relatório do Fundo alertou que, apesar da recente melhora nos mercados, os problemas fundamentais que afetam a Europa não foram resolvidos. Se os governos não agirem, diz o documento, o mundo irá caminhar para um novo mergulho recessivo. Depois de expandir fortemente o crédito nos últimos anos, os países emergentes correm o risco de um pouso forçado de suas economias.

Ninguém será poupado se o pior acontecer, afirma Viñals. Mas ele pondera que, com US$ 350 bilhões em reservas internacionais, espaço para baixar juros e bancos líquidos e bem capitalizados, o Brasil está "numa boa posição para enfrentar os impactos negativos".

Viñals, um espanhol com doutorado pela Universidade de Harvard com longa carreira no banco central de seu país, não quis comentar se o Brasil está certo em baixar os juros agora. Mas fez muitos elogios à atuação do Banco Central. "As pessoas no Banco Central são muito sensatas, elas refletem muito bem antes de decidir", afirmou. "Em geral, o reequilíbrio da política macroeconômica no Brasil é razoável, com contenção fiscal que abre espaço para uma política monetária menos restritiva."

Valor: Os mercados se acalmaram um pouco nas últimas semanas. Por que o FMI está tão preocupado?

José Viñals : Não podemos ser complacentes, pois os problemas não foram completamente corrigidos. Foram feitas muitas coisas, mas ainda falta o antibiótico certo para curar a doença que atinge a economia mundial, cujo epicentro está na área do euro. Os mercados são temperamentais, hoje eles parecem muito bons, mas amanhã, não. Estamos chamando a atenção para as economias avançadas, em especial a da Europa, adotarem medidas para deixar os mercados mais confiantes em adquirir e manter em carteira ativos da zona do euro, tanto soberanos quanto emitidos por bancos. Também estamos dizendo para os países emergentes não ficarem superconfiantes, para se manterem alertas para responder adequadamente. Os países emergentes se mantiveram resilientes aos problemas na zona do euro até agora. Mas não dá para descartar que, se eles não forem resolvidos em tempo, poderá haver uma escalada. Se isso acontecer, o mundo todo será atingido.

Valor: Essa recente queda nos juros dos papéis europeus não seria um bom sinal?

Viñals : O Banco Central Europeu (BCE) está oferecendo linhas de liquidez de três anos, que têm sido cruciais para evitar o pior. O mercado interbancário na Europa não está funcionando, os bancos não estão emprestando uns aos outros. Somente os melhores nomes no mercado bancário conseguem emitir papéis de dívida. Isso não é normal.

Valor: Então o BCE estaria dando o remédio para febre, não para a doença?

Viñals : Diria que você está dando algum remédio para evitar o colapso, mas esse colapso é reflexo de outros problemas subjacentes que precisam ser tratados. Podemos evitar o colapso. Mas não podemos dizer que está tudo bem. O BCE também tem atuado nos mercados de dívida soberana. Isso não é algo natural. Alguma coisa está muito errada quando é preciso dar esse apoio extraordinário para dois segmentos tão importantes, o mercado de dívida soberana e o mercado de captação dos bancos. O ponto fundamental é não se enganar pela recente melhora nas condições de mercado, porque, em grande medida, ela reflete as medidas extraordinárias tomadas pelo BCE.

Valor: Por que o FMI quer aumentar os recursos dos fundos de socorro da Europa? Quanto seria suficiente?

Viñals : É como se alguém estivesse colocando o dinheiro na mesa e dizendo: "Não se preocupe, estou aqui caso algo ruim aconteça". Isso é algo que dá confiança aos investidores. Mas, para tanto, é preciso colocar o dinheiro na mesa. É preciso colocar a quantia para lidar com o problema que você tem. Até agora, os planos dos europeus para construir esse escudo não convenceram os mercados. Primeiro porque o ritmo era muito lento. Segundo, porque a quantia não era percebida como suficiente e porque havia limites sobre como o dinheiro pode ser usado. É preciso de um escudo maior e o uso mais flexível desses recursos. A Europa resolveu fazer um escudo de €500 bilhões. Achamos no FMI é que ele deve ser mais alto. Não necessariamente dobrando o escudo, mas sensivelmente maior do que €500 bilhões.

Valor: Isso resolve o problema?

Viñals : Também precisamos de um escudo em termos mundiais. Há o risco de a crise da Europa se espalhar para outras regiões. A instituição que existe para lidar com esses problemas em nível global é o FMI, por isso dissemos que precisamos aumentar significativamente nossa capacidade para emprestar. Precisamos de US$ 500 bilhões, além do que já temos. Estamos em processo de conversar com os nossos principais acionistas para levantar essa quantia.

Valor: A Europa não é rica o suficiente para resolver os seus próprios problemas?

Viñals : Esse não é um problema europeu, é um problema potencial global. Pode afetar todo mundo. É interesse de todos estabilizar a situação, criando um escudo global. O FMI lida com todos os seus Estados membros. Agora iríamos discriminá-los, ajudando de acordo com o nível de renda? Seria uma assimetria, com o FMI ajudando alguns, e outros não. Se os países têm a obrigação de obedecer às regras que estabelecemos, eles também têm o direito de vir ao FMI, desde que as regras sejam obedecidas.

Valor: Por que o FMI está tão preocupado com os bancos europeus?

Viñals : Numa crise grande como essa, os bancos são atingidos, e eles precisam se curar. Existem algumas formas de curar os bancos que são mais amigáveis à economia real do que outras. A desalavancagem atual preocupa porque leva a uma redução do crédito, que por sua vez prejudica a economia, que prejudica ainda mais os bancos. Temos um ciclo vicioso. É preciso que os bancos se desalavanquem não tanto pela redução de crédito, mas tendo mais capital. Estamos dizendo: façam a desalavancagem boa, aumentando capital.

Valor: E como fazer isso?

Viñals : Primeiro, é preciso ter diretrizes sobre como os bancos devem melhorar seu índice de capitalização. É preciso dizer para eles aumentarem o volume de capital em vez de diminuir o crédito. Nos casos em que os bancos não conseguem aumentar capital com seu próprio esforço, o governo deve ajudar. Esse é um bom investimento. Investir um dólar agora, por meio de aumento de dívida pública, para fortalecer o capital de um banco poupa o gasto de cinco dólares mais tarde, quando os bancos tiverem um problema mais sério. Há casos em que os governos estão numa posição fiscal muito difícil, sem margem de manobra para se endividar. Estamos propondo que usem recursos de fundos europeus nesses casos para que esses países não precisem aumentar ainda mais as suas dívidas. Essa é a forma de romper o vínculo entre os riscos bancários e risco soberano em nível nacional.

Valor: Falta coordenação entre a política fiscal de diferentes países?

Viñals : Os temas fiscais são difíceis porque os países precisam pôr as finanças em ordem, mas de um jeito que não machuque a economia, que já está bastante fraca em muitos casos. A coordenação é muito importante. Se as economias avançadas caminharem todas ao mesmo tempo para consolidação fiscal, vai tirar força da demanda e impor um sofrimento a si mesmos. Uma maneira é ter uma demanda maior vindo de países emergentes. Dessa forma, os países avançados que estão pisando no freio com a consolidação fiscal podem exportar mais para o resto do mundo. Por isso é importante o processo no FMI e no G-20 para reverter os desequilíbrios globais.

Valor: Há um sentimento de que o Brasil é quem mais perde com a consolidação fiscal nas economias avançadas...

Viñals : Perde? Vocês são os grandes vencedores!

Valor: A combinação de consolidação fiscal e expansão monetária dos países avançados contribui para a valorização do real. Não há como ter estímulo fiscal em vez de monetário?

Viñals : É muito perigoso estimular com instrumentos fiscais justamente agora que as dívidas públicas estão tão altas. O que estamos dizendo é algo diferente. O processo de consolidação fiscal de longo prazo - e essa é a âncora - deve acontecer de forma suave, levando em conta o estado da economia. Não estamos dizendo que devemos ter expansão fiscal indiscriminada em economias avançadas. Isso poderia causar dificuldades tremendas com os mercados. Talvez haja países com algum espaço, como a Alemanha, para uma política fiscal um pouco mais amigável. Mas muitos outros países precisam sair de uma situação de dívidas públicas altas.

Valor: O FMI afirma no seu relatório de estabilidade que há o risco de um pouso forçado das economias emergentes, sobretudo onde o crédito cresceu muito. O Brasil preocupa?

Viñals : O Brasil acumulou importantes colchões de política econômica, com reservas internacionais de US$ 350 bilhões e bancos líquidos e bem capitalizados. O Brasil tem espaço para ajustar a sua política monetária de uma forma anticíclica, se as circunstâncias exigirem. Tudo isso deixa o Brasil numa boa posição para enfrentar os impactos negativos de choques externos. Mas o melhor é evitar que esses choques ocorram. Talvez o melhor investimento que todo o mundo pode fazer é colocar em prática um escudo global. É uma forma de comprar um seguro e se proteger de coisas ruins, pois será menos provável que elas ocorram.

Valor: O Brasil acertou ao afrouxar a política monetária enquanto o FMI dizia para os países emergentes esperarem um pouco antes de agir?

Viñals : A política monetária é um processo muito sensato no Brasil. As pessoas no Banco Central são muito sensatas, elas refletem muito bem antes de decidir. Não comentamos as ações específicas de bancos centrais. Mas em geral o reequilíbrio da política macroeconômica no Brasil é razoável, com contenção fiscal que abre espaço para uma política monetária menos restritiva.

Valor: É hora de desfazer as medidas de controle de capitais?

Viñals : As autoridades brasileiras já reverteram alguns desses controles. É algo que faz sentido. Essas políticas devem ser usadas de uma forma anticíclica. Isso vale quando há muitos ingressos de capitais e vale também quando tem menos. Mas é bom lembrar que, no fim das contas, a melhor defesa contra fluxos de capitais - seja de saída ou de ingresso - é não apenas colocar controles. É ter margem de manobra para fazer o ajuste econômico certo, contribuindo para um fluxo de capitais mais ordenado em todas as direções. Por isso que no tempo de bonança nós dizemos que é preciso buscar as políticas econômicas e financeiras adequadas e usar as medidas de controle de capital como complemento.