Título: Reino Unido evita ataques a aviões e cria novas medidas de segurança
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Fonte: Valor Econômico, 11/08/2006, Internacional, p. A9

O aeroporto Heathrow, de Londres, um dos maiores do mundo, costuma ser palco de multidões impacientes nas filas nesta época do ano. Mas ontem as filas se multiplicaram e as pessoas ficaram mais preocupadas do que impacientes com a notícia de que os serviços de segurança britânicos desbarataram um complô para explodir vários aviões em pleno vôo para os EUA. Ao embarcar, passageiros nos EUA e no Reino Unido tiveram de se submeter a novas diretrizes de segurança, que vão afetar passageiros e empresas. Eles só puderam levar dinheiro, passaportes, documentos e alguns medicamentos. Líqüidos e qualquer coisa que pudesse ocultar um detonador, como livros e laptops, têm agora de ser enviados com a bagagem. Mães foram obrigadas a provar o leite de seus bebês para serem autorizadas a levá-lo a bordo.

O caos não terminou aí. Empresas aéreas européias, como a Lufthansa e a Air France, cancelaram vôos para Londres. Nos EUA, as novas restrições, válidas para vôos nacionais e internacionais, causaram atraso e cancelamento de vôos.

O presidente dos EUA, George W. Bush, que foi informado da operação pelo premiê britânico, Tony Blair, disse que o incidente é um forte lembrete de que os EUA estão "em guerra com fascistas islâmicos". O termo duro irritou a comunidade muçulmana americana, que teme uma reação inflamada no mundo islâmico.

Essa não é a primeira conspiração envolvendo aviões de passageiros identificada pelos serviços de segurança britânicos. Em 2003, Tony Blair reforçou a segurança em Heathrow com 450 soldados e blindados e mil polícias extras, embora muitos tenham criticado a presença do Exército como melodramática e desnecessária. Em agosto de 2004, as autoridades afirmaram ter evitado outro ataque terrorista. John Reid, o secretário (ministro) do Interior britânico, calcula que, no total, cerca de 20 conspirações desse tipo foram descobertas pelo MI5, serviço de inteligência interno, pelo MI6, o serviço de inteligência externo, e pela polícia.

Mas fontes desses serviços acreditam que essa tenha sido a tentativa mais mortífera, até hoje. O plano teria envolvido levar explosivos líqüidos ou diluídos em líqüidos, para bordo de aeronaves. Aparentemente, os dispositivos passariam sem ser detectados através dos controles convencionais de segurança, e fontes da comunidade de inteligência dizem que eles teriam sido detonados com sucesso.

Mesmo uma pequena explosão num ponto crítico da fuselagem de um avião poderia perfurar sua superfície externa, causando despressurização rápida e uma queda fatal. Se colocada no compartimento de bagagem, a bomba seria menos eficaz. E teria de ser detonada por algum dispositivo temporizador ou por controle remoto, ambos mais facilmente detectáveis em inspeção de bagagens.

Fontes da inteligência dizem ainda que o plano envolvia ataques a cerca de uma dúzia de aeronaves, possivelmente de empresas aéreas britânicas e americanas. Segundo as fontes, os ataques foram frustrados depois que uma operação de vigilância de muitos meses e, possivelmente, com antecedência de só alguns dias dos ataques.

Em Washington, agentes indicaram que os terroristas visavam as empresas United, American e Continental. Em relação aos vôos vindos do Reino Unido, o Departamento de Segurança Interna americano elevou seu nível de alerta para vermelho, o máximo, pela primeira vez desde que o sistema foi adotado.

Essa foi a primeira conspiração sufocada no Reino Unido desde que o governo decidiu, no mês passado, que também passaria a divulgar as avaliações de ameaças elaboradas por seu Centro Conjunto de Análise de Ameaças Terroristas. A intenção, ao dar maior publicidade aos alertas de segurança, é mostrar o governo mais no controle da situação e tornar a população mais vigilante, em vez de apenas alarmada. O nível de alerta subiu ontem de grave para crítico.

O pronunciamento de Reid anteontem, de que embora "confiante em que os serviços de segurança e a polícia darão 100% de esforço e 100% de dedicação", eles não podem garantir 100% de sucesso, foi um lembrete de que é racional ter uma certa dose de temor.

Segundo Reid, o complô visava um "assassinato em massa" de proporção inimaginável.

Ao menos 24 pessoas, aparentemente todos de nacionalidade britânica, foram detidas ontem em Londres e Birmingham. Dizem as fontes, o que não é de surpreender, que os terroristas suicidas em potencial têm ligações com o Paquistão. A conspiração parece ter seguido o modelo de outro ataque terrorista fracassado, desbaratado nas Filipinas em 1995. Aquele plano, que pretendia explodir 11 aviões sobre o Pacífico num período de dois dias, foi planejado por terroristas de origem paquistanesa e com vínculos com o Kuait: Ramzi Yousef e seu parente Khalid Sheikh Mohammed, arquiteto dos ataques em 11 de setembro de 2001. Mas havia uma grande diferença entre os dois planos: a conspiração de Manila não usaria terroristas suicidas. Naquela ocasião, os terroristas pretendiam colocar sua bombas durante a primeiro trecho da viagem, e abandonar os aviões durante a escala.

Os mercados financeiros reagiram rapidamente às notícias ontem. As ações de empresas aéreas européias tiveram sua mais abrupta queda em dois meses. As companhias aéreas tinham registrado crescimento de 6,7% das viagens nos primeiros seis meses do ano e esperavam uma repetição neste semestre. Agora, há poucas chances disso. As bolsas européias fecharam em leve baixa. Mais calmas, as bolsas americanas terminaram o dia em alta.