Título: Direitos humanos não são armas de combate ideológico, diz Dilma
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2012, Brasil, p. A2

Um forte esquema de segurança, direitos humanos, e a parceria do Brasil no processo de abertura econômica de Cuba marcaram a visita da presidente Dilma Rousseff a Havana. A segurança cubana barrou os jornalistas brasileiros na visita às obras do porto de Mariel, um dos maiores investimentos privados atualmente em execução em Cuba, com financiamento do BNDES. Na área econômica foi acordado que a indústria farmacêutica brasileira fará uma associação com a indústria farmacêutica cubana para a fabricação de medicamentos em Havana para serem exportados ao Brasil.

Apenas fotógrafos e cinegrafistas foram autorizados a registrar a passagem de Dilma e do presidente cubano Raúl Castro pelo canteiro da construtora Norberto Odebrecht, responsável por cerca de 70% da obra, orçada em US$ 1 bilhão. Antes de viajar até Mariel, Dilma conversou com o ex-presidente Fidel Castro, em encontro que também não foi registrado pela imprensa.

Em Havana, onde não há liberdade de expressão, mas há prisioneiros políticos, a presidente brasileira evitou falar sobre a violação dos direitos humanos em Cuba. Dilma preferiu chamar a atenção para o enclave americano de Guantánamo, em Cuba, onde os Estados Unidos são acusados de torturar prisioneiros suspeitos da prática de terrorismo.

"Não é possível fazer dos direitos humanos uma arma de combate político e ideológico", disse Dilma, em rápida conversa com os jornalistas, após visita ao memorial Jose Marti. Em 2010 o presidente cubano Raul Castro Ruz deu indícios de que poderia fazer uma abertura, ao negociar com a Igreja Católica a libertação de 52 dissidentes. O processo levou à libertação de 127 presos. Nos últimos meses, no entanto, dois presos políticos morreram após uma greve de fome de mais de 50 dias.

Dilma chegou a Havana pressionada pelos dissidentes a condenar a violação dos direitos humanos em Cuba. A oposição também queria um contato com a presidente, que recusou o encontro. Questionada pelos jornalistas sobre direitos humanos em Cuba, a presidente usou o mesmo raciocínio que desenvolveu no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, ano passado. "Nós vamos começar a falar de direitos humanos em todo o mundo? No Brasil, nos EUA, a respeito de uma base aqui chamada Guantánamo? Eu prefiro falar que o mundo precisa se comprometer em geral e que não é possível fazer dos direitos humanos uma arma de combate político e ideológico", disse. "Na verdade, o mundo precisa se convencer de que é algo de que todos países têm que se responsabilizar, inclusive o nosso. Quem atira a primeira pedra tem telhado de vidro."

A blogueira Yoani Sánchez, que pedira para a presidente tratar do assunto com as autoridades cubanas, se mostrou decepcionada com as declarações. Ela recebeu visto de entrada no Brasil. Segundo Dilma, o Brasil já fez sua parte ao conceder o visto. Cabe agora às autoridades cubanas conceder ou não a permissão para sua viagem ao Brasil.

Dilma disse que o Brasil quer ter uma grande parceria "com o governo e o povo cubano no sentido de auxiliar todos os processos de desenvolvimento e de garantia de uma condição de vida melhor".

Dilma preferiu não falar sobre a eventual demissão do ministro Mário Negromonte (Cidades), com quem conversou antes de embarcar para Cuba, em Salvador. A presidente alegou que trata de assuntos internos no Brasil. "Quinta-feira", disse, numa alusão a data de seu retorno ao Brasil. Questionada sobre como faz para aumentar investimento e assegurar a meta cheia do superávit primário, sorriu e deu uma resposta metafórica: "Rá, rá", como quem diz "você vai ver".

À tarde, a presidente visitou as obras de ampliação do porto de Mariel, a 50 quilômetros de Havana, talvez a maior obra privada em andamento em Cuba. O projeto está sendo executado pela Odebrecht com financiamento do BNDES no valor de US$ 650 milhões, dos quais metade foi liberada há duas semanas pela Câmara de Comércio Exterior (Camex). "A grande contribuição que nós podemos dar aqui em Cuba é ajudar a desenvolver todo o processo econômico", afirmou Dilma. O intercâmbio bilateral Brasil-Cuba, em 2011, foi de US$ 640 milhões e amplamente favorável ao Brasil, que exportou US$ 550 milhões e importou US$ 92 milhões da ilha. O saldo é positivo em USS$ 458 milhões.