Título: MP versus Conselho de Contribuintes
Autor: Dantas, Fernando e Gonçalves, Casillo
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Nos últimos anos, o Ministério Público Federal vem sendo o percussor de diversas operações divulgadas com destaque nos canais de informação, entre as quais as realizadas contra a sonegação fiscal, a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas, o contrabando e a corrupção. Nessa atuação, esquemas contrários aos interesses da nação e ao respeito ao dinheiro público foram desmantelados, prestigiando ainda mais este órgão e seus integrantes.

Não obstante os merecidos aplausos em razão de tais atividades, data maxima venia, o Ministério Público Federal deveria avaliar a validade, perante o ordenamento jurídico, da propositura de ações civis públicas objetivando a desconstituição de julgamentos ocorridos no Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, nos quais foram cancelados autos de infração constitutivos de tributos contra determinados contribuintes.

Na Justiça Federal do Distrito Federal foram ajuizadas pelo menos quatro ações civis públicas com tal objetivo. Em tais casos, o Ministério Público Federal defende a admissibilidade da ação por não serem definitivas as decisões do conselho, por existir a possibilidade de serem contestadas judicialmente em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Também defende a sua legitimidade por possuírem as ações o fim de proteger o patrimônio público representado no tributo tornado insubsistente por decisão equivocada do ponto de vista jurídico.

Mesmo diante da nobreza dos objetivos almejados, a propositura da ação civil tratando de matéria tributária está vedada expressamente pela legislação, existindo jurisprudência no sentido de não possuir o Ministério Público legitimidade para tratar de assuntos tributários neste tipo de ação judicial. Em inúmeras decisões, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratificaram este posicionamento, merecendo destaque o recente julgamento ocorrido do STJ no Recurso Especial nº 691.574, no qual foi reconhecida a ilegitimidade do Ministério Público em ajuizar ação civil pública buscando suspender um termo de acordo de regime especial expedido pelo Distrito Federal no âmbito do ICMS, por ser uma matéria de natureza tributária.

No caso da legitimidade da ação, sem considerar a procedência ou não do pedido formulado, por ser uma demanda nitidamente vinculada à defesa do erário e dos interesses tributários da União Federal, a mesma apenas poderia ser proposta pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), como prescreve o artigo 131 da Constituição Federal, já existindo portarias internas deste órgão prevendo esta defesa quando presentes certas circunstâncias.

A admissibilidade da ação civil também dependeria da presença de patrimônio público a ser protegido. Entretanto, essa condição não está satisfeita considerando as regras constitucionais e legais aplicáveis em face de uma decisão administrativa irrecorrível declarando não ser devido um tributo constituído no auto de infração impugnado pelo contribuinte.

-------------------------------------------------------------------------------- A propositura de ação civil pública tratando de matéria tributária está vedada expressamente pela legislação --------------------------------------------------------------------------------

A Constituição Federal outorgou competência à legislação complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre obrigação e crédito tributários, estando previsto no Código Tributário Nacional (CTN) a extinção do crédito tributário pela decisão administrativa irrecorrível. Por sua vez, na legislação de regência do processo administrativo federal está prevista serem definitivas as decisões irrecorríveis do Conselho de Contribuintes implicando as contrárias a Fazenda Nacional o dever legal da autoridade competente exonerar o contribuinte dos gravames decorrentes do litígio.

Tais regras demonstram a definitividade das decisões emitidas pelo Conselho de Contribuintes quanto à extinção do crédito tributário, implicando a inexistência de patrimônio público a ser defendido justamente porque deixou de existir tributo devido em face dos efeitos do julgamento administrativo irrecorrível.

Os efeitos das decisões do Conselho de Contribuintes também vêm sendo reconhecidos há muito tempo pelo Poder Judiciário, por ser pacífico o entendimento de não ser possível o ajuizamento de ação por crime fiscal em relação a delito relacionado à falta de pagamento de tributo antes da decisão final administrativa. Nesta hipótese, a corte suprema considera representar a decisão final do tribunal administrativo um lançamento definitivo e posicionamento da validade do auto de infração, representando condição para se apurar a existência do crime fiscal por somente existir na hipótese do tributo ser considerado devido.

Caso seja admitida a ação civil, serão desprestigiados os efeitos das leis garantidoras da eficácia das decisões do Conselho de Contribuintes e da segurança jurídica nas relações entre o fisco e o contribuinte, porque após o autuado realizar uma árdua defesa administrativa, até apresentando uma garantia equivalente a 30% do débito contestado para recorrer ao conselho quando a delegacia da Receita decide pela validade do lançamento, é surpreendido com uma nova discussão simplesmente por considerar o Ministério Público Federal que a decisão do conselho não foi a mais adequada.

O Ministério Público Federal deveria somente agir nos casos em que for constatada alguma ilegalidade no processo administrativo, porque quando o conselho se conteve no âmbito de sua competência e das regras norteadoras do devido processo legal não existem motivos para não ser prestigiado o seu julgamento. Se as decisões do conselho legitimamente emitidas puderem ser reformadas por ações civis públicas, melhor extinguir a corte administrativa, porque ela perde a sua razão de ser e gera um custo elevado redutor do patrimônio público cuja proteção o Ministério Público pretende realizar.

Fernando Dantas Casillo Gonçalves é advogado especialista em direito tributário, membro-fundador do Instituto de Pesquisas Tributárias (IPT) e membro do conselho consultivo da Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet)