Título: Os problemas que as PPPs embutem
Autor: Léo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2006, Brasil, p. A2

Para atrair investidores privados ao programa de privatização, o governo anterior vinculou contratos a índices de preços, a famosa indexação, que assombrou boa parte dos esforços contra a inflação no mandato de Fernando Henrique Cardoso. Para evitar que os reajustes automáticos de tarifas públicas se refletissem nos preços de toda a economia, o governo jogou para as alturas as taxas de juros, e conteve o consumo interno. Agora, às vésperas de eleições presidenciais, o governo Lula pode estar, mais uma vez, preocupando-se muito com o bem-estar dos investidores e deixando em segundo plano as necessidades dos usuários da infra-estrutura do país.

O aviso, em linguagem mais diplomática, está em um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). O governo acaba de iniciar consulta pública para o primeiro projeto de Parceira Público Privada (PPP), para duas estradas que ligam Salvador à divisa da Bahia com Minas Gerais. É um bom momento, portanto, para conhecer as preocupações manifestas no trabalho dos economistas do Ipea Carlos Álvares da Silva Campos Neto e Ricardo Pereira Soares, para o boletim das duas instituições.

Em resumo, as PPPs, assim como as concessões, devem atender a duas preocupações básicas: o equilíbrio econômico-financeiro do contrato com os investidores, e a "modicidade" das tarifas, a manutenção em níveis razoáveis dos preços cobrados pelo uso da infra-estrutura oferecida com capital público e privado. O estudo de Soares e Campos Neto cita outras pesquisas já realizadas pelo Ipea e analisa as condições anunciadas pelo governo para as parcerias com empresas e conclui que os planos oficiais para o setor rodoviário não dão a "atenção devida" à questão da modicidade tarifária.

Não há planos ou regras para evitar o desajuste dos contratos em favor dos concessionários, alerta o estudo. Essa falta de atenção, afirmam os economistas, "poderá onerar mais os custos dos transportes de cargas e refletir nos índices inflacionários". Já está onerando: segundo o estudo, "chama a atenção" o crescimento desmesurado no número de praças de pedágio, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, onde só o governo federal construiu 39 postos de cobrança.

-------------------------------------------------------------------------------- Não há planos para equilibrar contratos --------------------------------------------------------------------------------

As concessões estaduais levaram a criação de 282 postos, 152 em São Paulo, 57 no Rio Grande do Sul, 52 no Paraná e 12 no Rio de Janeiro. Nas cinco concessões do governo federal, o aumento real nas tarifas, acima da inflação, foi de 40% (exceto na Via Dutra, onde foi de 33%) nos últimos dez anos. O estudo do Ipea que constatou esses valores concluiu que, nos esforços para recuperar ou ampliar a malha de estradas do país, há uma "predominância" do interesse das concessionárias e não o desejável equilíbrio entre as necessidades delas e as dos usuários.

"Os critérios que permitiram esse crescimento são cláusulas contratuais das concessões que valerão também para as parcerias público-privada", alertam os economistas. "O conceito de equilíbrio econômico-financeiro, que desperta grande apelo ao setor privado, tem sido pormenorizadamente estudado", comparam. "Por outro lado, observa-se a necessidade de um tratamento mais equânime em relação ao interesse dos consumidores, pois o conceito de modicidade não teve a atenção devida", avisam. Nem houve estudos nem desdobramentos práticos em relação à preocupação prevista na lei sobre a necessidade de tarifas "justas".

Pelo contrário. No último edital de concessão de sete trechos rodoviários, o governo usa como critério o maior valor oferecido pela concessão e descarta o princípio da menor tarifa cobrada, "imputando mais um ônus financeiro para o usuário". O governo, em vez de apenas atrair investidores para a necessitada infra-estrutura rodoviária, quer fazer caixa, às custas dos usuários pagantes de pedágio. "Não parece justo esse procedimento", concluem os economistas.

Eles comentam que, como a demanda (o fluxo de veículos) é considerado nos contratos um risco das concessionárias, as empresas tendem a fazer projeções conservadoras, o que eleva a previsão das tarifas de pedágio e reduz a taxa de retorno de empreendimento. No longo prazo, as empresas tendem a ter aumentos de lucratividade bem superiores às previsões. O estudo sugere que os governos, concedentes, acompanhem o fluxo de veículos que pagam pedágios (é espantoso que não o façam), deixem de considerar essa demanda pela infra-estrutura rodoviária um risco da concessionária e a incorporem ao cálculo da receita. A sugestão dificulta a administração dos contratos, mas tem vantagens óbvias.

Para os especialistas do Ipea, o governo, ao selecionar os investidores privados, deve combinar três critérios: o preço da tarifa, o fluxo de veículos e o prazo da concessão (que deixaria de ser fixo, como hoje em dia). A melhor combinação dessas três variáveis asseguraria a justa remuneração para os investidores, com custo menor para os usuários. A redução dos prazos de concessão traria, ainda, a vantagem de diminuir a barreira de entrada de firmas menores no negócio das concessões rodoviárias e induzir, com isso, a investimentos das concessionárias em inovação e produtividade.

Não é o que se prevê para o primeiro projeto de PPP sob consulta pública. O trecho de 633,7 quilômetros ligando o Porto de Aratu a Feira de Santana terá 35 anos de concessão, com investimento total de US$ 2,73 bilhões. O intenso fluxo de veículos deve levar o governo a participar com, no máximo, 20% do valor. O governo poderia sustentar outros 140 projetos com igual nível de participação sem comprometer os limites da lei, que proíbe o uso de mais de 1% da receita corrente líquida nessas parcerias. As PPPs são uma boa saída para os gargalos de infra-estrutura, se o governo tomar cuidado com os problemas apontados pelos economistas, entre eles os sobrepreços que, por medo do risco, os investidores vêm colocando nos projetos.