Título: Aumento dos gastos com educação melhora pouco a qualidade do ensino
Autor: Franco, Célia de Gouvêa
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2006, Brasil, p. A2

A análise sobre como se consegue melhorar a qualidade do ensino parece mais uma recomendação médica a um paciente grave, repleta de observações sobre o que não adianta fazer. Ao contrário do que muitos imaginam, não basta aumentar as verbas destinadas à educação ou elevar salários dos professores. A fórmula é muito mais complexa e sujeita a todo tipo de controvérsia, na avaliação de Naercio Aquino Menezes Filho, um economista com doutorado pela Universidade de Londres, que trabalha na Universidade de São Paulo e no Ibmec e tem se debruçado nos últimos tempos sobre os números que mostram como anda - ou como se arrasta - o desempenho dos estudantes no Brasil.

Seus estudos são parte de um projeto do Instituto Futuro Brasil em que a contraparte está sendo tocada pelos economistas Samuel Pessoa e Fernando Barbosa Holanda Filho, que tentam medir as taxas de retorno econômico de educação.

Menezes partiu da análise dos dados sobre a qualidade da educação no Brasil, especificamente os resultados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB), do Ministério da Educação de 2003, por meio de exames de língua portuguesa e matemática aplicados a alunos da quarta e oitava séries do ensino fundamental e terceiro ano de ensino médio. Os resultados foram péssimos porque mostram, por exemplo, que metade dos alunos da quarta série estão no nível muito crítico ou crítico em matemática. O desastre é ainda maior porque a proficiência está diminuindo e até a elite brasileira vai mal - os 5% melhores classificados estão entre os piores do mundo em uma avaliação feita internacionalmente.

Menezes diz que não há controvérsia quando se fala em quantidade na educação: o caminho é colocar todas as crianças na escola, incentivá-las a continuar até o ensino médio, dar bolsa-família como estímulo para as famílias, acabar com a aprovação automática. Já se conseguiu grandes avanços nesse sentido, inclusive pelo fato de que quase 50% dos estudantes estão ficando na escola até o ensino médio.

Quanto à qualidade, porém, ninguém sabe muito bem o que fazer para que haja uma melhora na educação. Um dos maiores especialistas do mundo em economia da educação, Eric Hanushek, da Universidade de Stanford, diz que não adianta simplesmente colocar mais dinheiro nas escolas. Nos EUA, aumentou-se muito o gasto com educação nos últimos anos, mas não houve uma melhora significativa no desempenho dos alunos nos exames internacionais. Elevar os salários dos professores, reduzir o número de alunos nas classes - a experiência mundial mostra que medidas como essas não têm impacto significativo.

No Brasil, poderia se argumentar que os salários dos professores são baixos e um aumento resultaria em maior eficiência deles. Mas Menezes relata que não se consegue estabelecer uma relação clara entre gastos com educação e desempenho escolar. Ele comparou os dados sobre orçamento com educação de Estados e municípios brasileiros com os resultados de testes de proficiência e chegou à conclusão de que não há relação alguma entre as duas variáveis. Um Estado que gasta mais com educação não vai necessariamente ter alunos que se saem melhor.

Segundo Menezes, também não existe relação entre salário dos professores e desempenho dos alunos - pelo menos no setor público, diferentemente do que ocorre nas escolas privadas, nas quais, de fato, o rendimento do professor influencia nos resultados de avaliação dos estudantes. E isso porque o salário do professor do sistema governamental não depende do seu desempenho: se ele falta ou deixa de dar aula não terá os seus vencimentos reduzidos no fim do mês. Os salários na rede pública variam conforme a experiência, sua idade ou cursos de treinamento feitos pelos professores, mas também esses fatores não significam melhora no desempenho dos alunos.

Assim, parece ponto pacífico entre os especialistas, diz ele, que meramente elevar gastos com salários de todos professores de forma geral não melhora a qualidade do ensino. Outro problema grave em se tratando de professores é o elevado grau de absenteísmo - em alguns casos, como na prefeitura de São Paulo, o professor já tem o direito de faltar 10 dias por ano sem justificativa. Desestimulado e com baixo salário, os professores se sentem "empurrados" mesmo a faltar às aulas. Assim, seria interessante, defende Menezes, adotar um sistema que aumentasse o salário do professor que não faltasse e cujos alunos mostrassem bom desempenho. É fundamental para melhorar a qualidade de ensino a presença do professor.

As medições de Menezes mostram que a escola explica até 30% da variação do desempenho do aluno; os outros 70% são características da família, especialmente a educação da mãe, a quantidade de livros que existe na casa onde a criança mora, a idade do aluno. Uma taxa de até 30% de influência da escola sobre o desempenho dos alunos pode parecer pouco, mas a longo prazo é muito, considerando-se que se houver uma melhora no ensino agora, as próximas gerações serão de pais e mães com melhor educação e, portanto, com maiores possibilidades de influir positivamente sobre seus filhos.

Analisando os dados detalhados do SAEB, Menezes chegou à conclusão de que uma variável que realmente influencia na qualidade de uma escola é a média educacional das mães dos alunos. E mais: quando as mães participam ativamente da vida das escolas públicas, pressionando por melhorias, há avanços na qualidade. Essa constatação abriria caminho, na sua opinião, para que a escola pública ganhasse qualidade, na medida em que se pode estimular as mães a serem mais presentes no dia-a-dia dos colégios dos filhos.

O estudo de Menezes será debatido no seminário "Quais as políticas educacionais que realmente funcionam?" hoje no Ibmec em São Paulo, com as presenças de Alan Krueger, José Alexandre Scheinkman (os dois da Universidade de Princeton) e Samuel Pessoa (da FGV do Rio), entre outros.