Título: Lupi perde garantia de manter-se no cargo
Autor: Exman,Fernando
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2011, Política, p. A7

Mesmo diante de novas denúncias contra o ministro Carlos Lupi e da recomendação feita pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República de exonerar o ministro do Trabalho, a presidente Dilma Rousseff decidiu ontem novamente manter o auxiliar no cargo. Lupi perdeu, no entanto, a garantia de que ficará à frente da Pasta até a reforma ministerial a ser promovida por Dilma em janeiro. Pode sair antes.

A presidente não deve decidir o destino de Lupi antes de retornar da Venezuela, onde participará até o fim de semana da Reunião de Cúpula da América Latina e do Caribe. Dilma pretendia evitar que mais um de seus ministros fosse demitido devido a denúncias de corrupção. Ficou impressionada com a marca: seria o sétimo ministro a cair em menos de um ano de governo. A presidente bancou, então, a permanência de Lupi, apesar da série de acusações publicadas pela imprensa nas últimas semanas sobre irregularidades em contratos do Ministério do Trabalho com organizações não governamentais e uma viagem de Lupi em um avião particular fretado pelo dono de uma rede de ONGs conveniadas à Pasta.

No entanto, a situação de Lupi voltou a se complicar na noite de terça-feira, quando a Comissão de Ética Pública da Presidência recomendou à presidente a demissão do ministro. Além disso, o jornal "Folha de S. Paulo" publicou uma reportagem acusando Lupi de ter acumulado ilegalmente cargos na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Antes, o jornal já havia denunciado Lupi por supostamente ter sido funcionário-fantasma da Câmara dos Deputados. Lupi não comentou o assunto.

Antes de viajar à Venezuela, ontem, a presidente recebeu o ministro em uma reunião que não estava prevista em sua agenda. Ouviu do subordinado que receberá em breve explicações sobre as novas denúncias, e decidiu pedir à Comissão de Ética da Presidência da República as fundamentações que embasaram a decisão anunciada na terça-feira, de recomendar a demissão de Lupi. Dilma recebeu apenas um memorando por meio do qual a Comissão de Ética comunicou sua decisão.

O episódio provocou um atrito entre os integrantes da Comissão de Ética Pública e o Palácio do Planalto, que foi surpreendido pela decisão do colegiado. A última reunião da comissão em 2011 estava prevista para o dia 5, mas seus integrantes anteciparam o encontro para terça-feira desta semana. Essa decisão da Comissão de Ética foi tornada pública, consta da ata da sessão realizada em outubro.

A presidente não deve encontrar dificuldades para obter tais informações. Pelo menos por enquanto, porém, não há sinais de que os integrantes da Comissão de Ética Pública alterarão sua decisão. A relatora do caso, conselheira Marília Muricy, afirmou ontem que não mudará seu parecer. "Não há nenhuma hipótese de eu mudar meu relatório e nem acredito que a presidente queira isso. Do meu relatório, estou absolutamente convencida. Tenho razões fortes que convenceram a minha consciência e a de meus colegas", declarou Marília, após participar do XII Seminário Ética na Gestão.

A conselheira explicou que Dilma terá "acesso imediato" ao processo, mas que uma eventual mudança na sanção dada a Lupi pela comissão só poderia ser feita após nova reunião do colegiado. Para isso, acrescentou, seria necessário convocar uma sessão extraordinária. Marília disse ainda que faz parte do "jogo institucional" o fato de Carlos Lupi ter solicitado à comissão que reconsidere a punição dada, como o ministro informou hoje a Dilma que faria.

O relatório da conselheira considerou "inadequada" a conduta do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, não só pelas "graves falhas como gestor", mas também pela sua postura ao responder às denúncias de irregularidades na Pasta, "valendo-se publicamente de valentia pessoal". O texto se refere às declarações que Lupi deu à imprensa afirmando que só deixaria o cargo "abatido a bala" e que duvidava que a presidente Dilma o demitisse. "[Isso] soou como uma afronta à hierarquia", escreveu a relatora. Apesar da retratação posterior de Lupi, Marília Muricy considerou em seu relatório que "o mal, todavia, estava consumado e, para nosso pesar, indelével".

A Comissão também considerou "insuficiente" a defesa apresentada por Carlos Lupi. Entre as medidas citadas pelo ministro, estavam a suspensão de convênios com organizações sem fins lucrativos em 2011, a exoneração de funcionários suspeitos de participar de esquema de desvio no Ministério do Trabalho e a instauração de sindicância interna, entre outras.

A relatora do caso também ressaltou que a justificativa de que o ministro não era o responsável pela assinatura de convênios ou de que confiava em seus subordinados não eximia Lupi de responder pelas irregularidades encontradas. "Uma vez que, estando à frente do ministério, possuía, não somente o poder necessário, como o dever de zelar pelo cumprimento dos preceitos éticos no âmbito de sua Pasta", relatou.

Já o presidente da Comissão de Ética, Sepúlveda Pertence, afirmou que, "em tese", é possível mudar a decisão. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) também considerou "legítima" a decisão de Dilma de não acolher imediatamente a recomendação feita pelo colegiado: "[A Comissão de Ética] tem um poder excepcional e relativo. Excepcional porque é uma interferência em um poder tipicamente presidencial e relativo porque a decisão não vincula o presidente da República [a acatar a recomendação]."

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que Lupi teria, em tese, cometido crime por ter sido funcionário "fantasma" da Câmara dos Deputados ao mesmo tempo em que recebia por trabalhos no Legislativo do Rio de Janeiro. Na avaliação de Gurgel, para que a hipótese se configure crime, basta provar que Lupi trabalhou em apenas um lugar. "A pessoa que ocupa um determinado cargo recebe a remuneração e não presta os serviços: isso é uma das formas de peculato", definiu o procurador-geral, que no início da crise política que envolve Lupi descartou haver indícios contra o ministro do Trabalho.

A oposição, por sua vez, criticou a decisão de Dilma. O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) classificou de "antiética" a decisão da presidente. Para o tucano, se a comissão que atua para aconselhar a Presidência da República conclui que o ministro cometeu irregularidades e sua decisão não é levada em consideração, a presidente age "por teimosia, para mostrar que tem força, que ela é que manda". (Colaboraram Juliano Basile e Raquel Ulhôa)