Título: Concorrência chinesa em carros é risco para o futuro
Autor: Landim, Raquel e Olmos, Marl
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2006, Brasil, p. A4

José Eugênio Pinheiro, vice-presidente de manufatura da General Motors, viajou até Caracas, na Venezuela, para conhecer os carros que os fabricantes chineses expuseram em showrooms no país. Ele relata que o produto tem imperfeições e levará um tempo para se tornar um forte concorrente, mas frisa: "Não subestimo a capacidade da China."

Os chineses já são o terceiro maior produtor de veículos do mundo, atrás de Estados Unidos e Japão. Em 2005, o país vendeu 5,7 milhões de unidades, ou 9% do total mundial. Em 1995, ocupava o nono lugar, com 3,1%. Além das montadoras chinesas, existem no país cerca de 30 multinacionais do setor. A previsão é que, em 2010, a China comercialize 12 milhões de unidades.

Para quem ainda critica a qualidade dos carros feitos na China, o presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes Automotivos (Sindipeças), Paulo Butori, lembra que no início da década de 70, os automóveis fabricados no Japão também não tinham qualidade. "O fenômeno se repete", afirma.

Pinheiro afirma que os carros à venda na Venezuela ainda representam um volume irrisório, mas ressalta que os chineses começaram a testar os mercados e aprender o gosto do consumidor. Nos próximos dois ou três anos, diz ele, a China ainda não será um competidor relevante, pois estará muito ocupada atendendo seu monstruoso mercado interno.

As multinacionais com fábricas de carros na China também estão se preparando. No início do ano, a Fiat realizou alguns testes com o Palio produzido na China para futura venda na América Latina. Mais tarde, a empresa concluiu que os custos logísticos inviabilizam o plano. A GM trouxe para o Brasil veículos feitos na fábrica da China, mas apenas para testes internos.

As montadoras instaladas no Brasil estão preocupadas com o futuro, quando a China realmente começar a exportar veículos. "Honestamente, não é possível competir", diz Pinheiro. Segundo ele, o custo de manufatura (montagem, mão-de-obra, infra-estrutura) de uma fábrica na China está em US$ 140 por carro. Nas mais eficientes do Brasil fica em US$ 600.

Um executivo do setor avalia que a solução para o Brasil não é competir com a China, mas se apresentar como "alternativa". É o que faz a Índia. Ele avalia que as multinacionais preferem não apostar todas as fichas em apenas um país, por medo de turbulências econômicas, políticas ou sociais.

"O Brasil sofre uma explosão de custos internos", diz a diretora de assuntos governamentais da Volkswagen, Elizabeth de Carvalhaes. Segundo ela, a receita obtida com as exportações serve para financiar o custo interno. Acontece que hoje, na Volks - empresa que responde por 60% da exportação de veículos no Brasil - a diferença entre a remuneração cambial e o custo da matéria-prima chega a 71,2%, segundo explicou recentemente a executiva.

Para Carvalhaes, diante de um quadro em que "não se tem capital externo para cobrir esse sufoco", a situação se complica para empresas que apostaram na exportação como estratégia. "A indústria automobilística no Brasil nunca havia sido talentosa na exportação", lembra a executiva. "As vendas externas sempre foram pontuais". Mas, ao aderir aos programas de incentivo à exportação, em meados da década passada, esse setor investiu na ampliação industrial e aí começou a exportar como nunca. A Volks destina 43% da produção ao mercado externo.

É por isso que agora, diante do fortalecimento do dólar, o país perde espaço nos mercados externos. Embora os chineses ainda não tenham a competência brasileira no desenvolvimento de novos carros, Carvalhaes afirma que na China se formam em média 400 mil engenheiros por ano.