Título: Irã rouba a cena
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 23/09/2010, Mundo, p. 26

Ahmadinejad domina as atenções em Nova York às vésperas da Assembleia Geral. Nos debates, que começam hoje, Brasil deve apoiar iniciativa da Rússia para impedir que Estados Unidos e outros adotem sanções unilaterais

Desde que chegou a Nova York, no início da semana, o presidente Mahmud Ahmadinejad tem conseguido atrair todas as atenções para o Irã, ao falar sobre seu programa nuclear e as sanções aplicadas pela ONU, sobre a libertação de dois turistas americanos presos em seu país e até uma acenando com uma aproximação aos Estados Unidos. Segundo Ahmadinejad, é fácil reatar as relações, rompidas há mais de 30 anos: a única condição, de sua parte, é que os EUA respeitem a nação iraniana e as condições de igualdade. Ele também afirmou que não descarta libertar os dois americanos, assim como já fez com a outra turista, em um gesto de clemência e compaixão. Em relação a Israel, no entanto, a retórica continua a mesma, de culpar o Estado judeu por afastar Teerã de Washington e classificr o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu como um assassino habilidoso.

As declarações, grande parte delas feita ao jornalista Larry King, apresentador de um dos mais populares talk shows da TV americana, só fizeram aumentar as expectativas para o discurso de hoje do iraniano, nos debates da Assembleia Geral das Nações Unidas. No programa de Larry King, que é de família judaica, Ahmadinejad disse que Netanyahu deveria ser julgado por matar mulheres e crianças e reafirmou que seu país não quer armas nucleares. Não estamos buscando a bomba, não acreditamos que seja útil. A ameaça para o mundo são as bombas que o governo dos EUA e o regime sionista possuem, declarou.

Foram essas as palavras mais críticas de Ahmadinejad sobre os anfitriões. Até então, ele se mostrava aberto ao diálogo e à reconciliação. Basta que os Estados Unidos respeitem a nação iraniana e as condições de igualdade para restabelecer as relações diplomáticas entre os dois países, declarou o iraniano durante uma videoconferência com estudantes e professores de 12 universidades americanas. Ahmadinejad vê chance para a libertação dos outros dois turistas americanos detidos em território iraniano sob acusação de espionagem. Há uma possibilidade , mas o juiz deve se ocupar do caso, disse, acrescentando que ele sugeriu a libertação de Sarah Shourd, na última semana, mas que não teve influência sobre o processo legal.

O chanceler brasileiro, Celso Amorim(1) , que na última terça-feira foi procurado por Sarah, pediu um encontro com Ahmadinejad, na noite de ontem, para tratar, entre outros assuntos, da libertação dos outros dois americanos. Sarah agradeceu a Amorim o apoio o governo brasileiro à sua libertação e pediu intercessão pelos dois outros. Eu prometi que nós continuaríamos a nos interessar pelo assunto. Mas, nessas coisas, você tem que encontrar o melhor caminho, que tenha realmente resultados, e não o caminho da estridência, da condenação, disse o chanceler brasileiro.

Possibilidade remota Para o especialista John Tirman, da Massachusetts Institute of Technology, as declarações sobre uma possível reaproximação entre Irã e EUA serão em vão se os dois lados não cederem. Os EUA devem suspender as sanções que não têm relação com a questão nuclear. Já o Irã deve cumprir com as normas internacionais em relação a seu programa nuclear, opina Tirman. E, para muitos americanos, Ahmadinejad é alguém com quem não se deve conversar até que ele suspenda sua retórica beligerante contra Israel e o povo judeu, acrescenta.

Em um comunicado ao qual a agência France Presse teve acesso, e que deverá ser divulgado durante a Assembleia, EUA, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha (que formam o grupo 5 + 1) se comprometem a buscar uma solução negociada rápida para a questão nuclear iraniana. A Rússia também deve apresentar uma resolução que desaconselha sanções unilaterais, a exemplo das que foram aplicadas recentemente pelos EUA e pela União Europeia contra Teerã. Segundo Amorim, Brasil, Índia e China (que formam com a Rússia a articulação dos Brics) já se comprometeram a apoiar a iniciativa.

1 - Grande parceria O fundador da Microsoft, Bill Gates, falou ontem ao chanceler Celso Amorim sobre seu desejo de trabalhar com o Brasil para ajudar países mais pobres, principalmente na África. Gates, que mantém com a mulher a organização filantrópica Bill & Melinda Gates Foundation, afirmou, após o encontro dos dois em Nova York, que desejar utilizar a expertise do Brasil em outros países, principalmente nas áreas de saúde e agricultura. Houve algumas discussões concretas com as companhias de vacinação e com os experts em agricultura (no Brasil), disse. Amorim, por sua vez, afirmou que o bilionário está interessado na capacidade técnica desenvolvida em centros como a Embrapa, a Fiocruz e o Instituto Butantã. E também a maneira de levar um serviço à população, como no caso da vacinação em massa, detalhou. Isso é o começo de uma grande parceria, completou o chanceler brasileiro.

US$ 40 bi para mulheres e crianças A Organização das Nações Unidas criará um fundo de US$ 40 bilhões para melhorar a saúde das mulheres e das crianças, anunciou ontem o secretário-geral Ban Ki-moon. Governos, filantropos e grupos privados comprometeram-se a contribuir para o fundo no fim da cúpula especial da ONU dedicada à luta contra a pobreza. Sabemos o que funciona para salvar a vida das mulheres e das crianças, e sabemos que elas são fundamentais para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, destacou Ban em um comunicado. Estima-se que o plano estratégico global para a saúde feminina e infantil permitirá salvar 16 milhões de vidas até 2015. A iniciativa permitirá evitar 33 milhões de gestações não desejadas e impedir que 740 mil mulheres morram de complicações relacionadas com a gravidez ou o parto.

Atentado e desfile de mísseis

Enquanto o presidente Mahmud Ahmadinejad mantinha, em Nova York a inflamada retórica contra Israel, em Teerã o regime islâmico apresentava, durante um desfile militar, mísseis capazes de atingir o arquirrival. Em outra parada militar, também em memória o 30º aniversário do início da guerra contra o Iraque, uma bomba explodiu e deixou ao menos 12 mortos. Depois de uma autoridade local culpar os Estados Unidos e os contrarrevolucionários, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, emitiu comunicado no qual condena o ataque e todas as formas de terrorismo.

A bomba, colocada a 50m do palanque oficial na cidade curda de Mahabad, no oeste da província do Azerbaijão, explodiu por volta das 10h20 (3h50 em Brasília). Entre os mortos estavam as mulheres de dois comandantes. Esse ato tem origem estrangeira. Infelizmente, a América e seus aliados estão presentes na região, e o apoio deles aos contrarrevolucionários e hipócritas foi provado, acusou o governador provincial, Vahid Jalalzadeh, em entrevista à emissora estatal. Hillary, por sua vez, disse que seu país condena todas as formas de violência contra inocentes, onde quer que ocorra. Esse atentado mostra a necessidade de a comunidade internacional cooperar para combater o terrorismo, disse.

A explosão da bomba ocorreu enquanto o Irã apresentava seu arsenal militar também em Teerã. Os mísseis de longo alcance Sejil, Shahab-3 e Ghadr-1 eram as principais atrações do desfile, do qual participou o general Hassan Firouzabadi. Com um alcance de 1.800km a 2.000km, os mísseis são teoricamente capazes de atingir Israel. O desfile incluiu ainda a exibição de um avião bombardeiro não tripulado, que o presidente Ahmadinejad apelidou de embaixador da morte.

O general, no entanto, declarou que o Irã tem objetivos exclusivamente defensivos. A capacidade militar crescente do Irã existe apenas para deter agressores e defender o país de ameaças de inimigos, disse Firouzabadi. As forças iranianas fizeram em dezembro de 2009 testes com uma versão melhorada do Sejil, que poderia atingir alvos até mais distantes o que preocupa ainda mais Israel e países árabes aliados dos Estados Unidos.