Título: Uribe tenta repetir sucesso de seu primeiro mandato
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Fonte: Valor Econômico, 07/08/2006, Internacional, p. A10

Guerrilheiros esquerdistas tradicionalmente saúdam os novos presidentes colombianos com violência - quando Álvaro Uribe tomou posse em 2002, os rebeldes dispararam morteiros artesanais contra a sede da Presidência e um deles caiu sobre um bairro pobre vizinho, matando 21 pessoas e ferindo mais de 70.

Assim, uma série de recentes ataques, dos quais o mais sangrento foi uma emboscada em 31 de julho contra uma patrulha do Exército, provavelmente organizada pelas Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, o principal grupo rebelde no país, não causou surpresa. A única novidade é que, pela primeira vez na história moderna, os presidentes em fim e começo de mandato são o mesmo homem, Álvaro Uribe, que inicia hoje mais quatro anos no cargo.

Em seu primeiro mandato, a estratégia adotada pelo presidente Uribe, a de "segurança democrática", reduziu sensivelmente o número de massacres, assassinatos e seqüestros que vinham atormentando o país, razão pela qual ele conquistou 62% dos votos na eleição em 28 de maio, vencendo no primeiro turno e deixando os partidos tradicionais do país quase em estado de inanição. Mas algumas regiões da Colômbia, em sua maioria rurais, continuam inseguras, e os críticos dizem que o governo é insuficientemente democrático em assuntos de segurança.

Uribe viverá mais dificuldades em seu segundo mandato do que teve em seu primeiro.

Ele deve seu sucesso militar em parte aos US$ 600 milhões por ano de ajuda dos americanos, o que permitiu arcar com os custos de um aumento de um terço no tamanho das Forças Armadas e da Polícia Nacional.

Os Estados Unidos também bancam os esquemas de erradicação da coca, planta da qual a cocaína é produzida. Mesmo assim, as forças governamentais estão sendo exigidas demais, diz Sergio Jaramillo, analista político especializado em segurança.

Muitos dos novos recrutas simplesmente substituíram alguns dos 30 mil paramilitares de direita que depuseram suas armas em abril, em troca de leniência em relação a crimes cometidos no passado. Para pacificar o país, diz Jaramillo, o governo terá de ampliar o império da lei e estender os benefícios do crescimento econômico (de 5% ao ano, em média, nos últimos anos) para incorporar áreas controladas pelas Farc e pelos paramilitares.

Isso não será fácil. Os paramilitares praticamente cessaram seus assassinatos desde sua desmobilização, mas continuam a ameaçar investigadores e outras pessoas, a traficar com drogas e a praticar roubos. Em carta a Uribe às vésperas de sua posse, a ONG Human Rights Watch exortou-o a fazer valer uma decisão do Tribunal Constitucional no sentido de ampliar as punições contra paramilitares que não revelem seus crimes e dar a promotores mais tempo para investigá-los. Mas o governo não deve ousar tanto, por temer instigar os paramilitares a se reorganizarem. "El Tiempo", o diário de maior circulação no país, noticiou que o governo quer aplicar a interpretação mais tolerante da lei.

Algumas pessoas especulam que Uribe, tendo enfraquecido as Farc, mas sem conseguir derrotá-la, poderá usar seu segundo mandato para abrir conversações com os guerrilheiros.

Pesquisas de opinião sugerem que os colombianos apoiariam um acordo de troca de rebeldes presos por reféns mantidos pelas Farc. Após quatro anos batendo em retirada, os guerrilheiros certamente veriam favoravelmente uma pausa para respirar e uma chance para divulgar suas posições revolucionárias, o que ocorreria durante as negociações.

O ataque violento em 31 de julho pode ter sido uma maneira de as Farc tentarem melhorar seu poder de barganha às vésperas das negociações.

"O momento está maduro", diz Eduardo Barajas, um cientista político. Mas nenhuma das partes parece perto de fazer as concessões necessárias para um acordo de paz abrangente.

O Congresso, com poder de veto sobre a agenda econômica de Uribe, será um parceiro mais flexível. Uribe conquistou seu primeiro mandato como candidato independente, mas manteve-se na Presidência apoiado numa coalizão de partidos que hoje dominam o Congresso. A aliança tentou forçá-lo a algumas barganhas desagradáveis, que ele em larga medida pôde evitar em seu primeiro mandato. Quando a Mudança Radical, um partido aliado, reclamou por ter recebido poucos cargos no governo e ameaçou ir para a oposição, Uribe foi obrigado a atrair o partido de volta a seu campo readmitindo à coalizão congressistas que tinham sido expurgados em razão de suspeitas de vínculos com grupos paramilitares.

Superada essa crise, Uribe deverá ter uma base de apoio estável no Congresso, ao menos por algum tempo. Ele precisará converter em lei sua agenda econômica, cujo objetivo é ajudar o setor privado. Isso inclui um orçamento austero, a ratificação do acordo de livre comércio da Colômbia com os EUA, que os americanos ainda não ratificaram, e uma reforma fiscal.

Uribe quer simplificar as normas de tributação e reduzir a alíquota mais alta do imposto de renda, de 38,5% para 32%. Ele compensaria a receita perdida tapando brechas na legislação e elevando o imposto sobre o consumo de alimentos básicos, como arroz e galinhas. Os mais pobres seriam compensados por meio de um complicado esquema de reembolso que restituiria cerca de US$ 100 por ano a 5 milhões de famílias.

Esse pode ser um erro político. A reforma tributária é um "peculiar híbrido de estímulo reaganômico duvidoso com os discutíveis subsídios de um Estado de bem-estar social", diz Alejandro Gaviria, economista que desconfia que burocratas corruptos irão se apropriar das restituições.

Prejudicadas serão as famílias de classe média, até agora defensoras mais entusiásticas da Presidência de Uribe. Se elas ficarem desapontadas, a Colômbia poderá pender para a esquerda nas eleições em 2010.