Título: Mantega quer zerar déficit nominal no próximo mandato
Autor: Safatle, Cláudia e Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2006, Especial, p. A14

Em quatro anos, os juros reais estarão em 5% ao ano, metade da taxa de hoje, e, mantendo-se o superávit primário das contas públicas em 4,25% do PIB, conforme compromisso do presidente Luiz Inácio da Silva se reeleito, o Brasil vai zerar o déficit nominal das contas públicas em 2010. A previsão é do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que, esbanjando otimismo, aposta num crescimento de 5% para a economia em 2007 e a volta do país aos "tempos áureos do desenvolvimentismo", sem intervencionismo do Estado.

Num depoimento surpreendente ao Valor, Mantega mostrou-se bem diferente do economista que, no passado, defendia uma forte presença do Estado na economia. Seu pensamento agora contempla idéias caras ao PT, o partido do presidente - austeridade fiscal; prevalência do investimento privado, e não do público, na economia; respeito à taxa de câmbio apreciada (como resultado do aumento da confiança dos investidores no país); fim do protecionismo e do paternalismo comercial.

Crítico no passado da política monetária conduzida pelo Banco Central, ele agora respeita as decisões tomadas nessa área. "Não posso engessar o juro porque ele é um instrumento de política monetária que tem que estar livre. A alavanca tem que estar livre para ir para frente ou para trás", afirmou.

Para os que alimentam alguma dúvida sobre o quadro fiscal de 2007, Mantega é categórico. "A mesma filosofia que nos pautou será mantida, na área fiscal, porque isso foi muito bom para o país. É virtuoso. Não é aí que está o diferencial de um governo para outro", disse o ministro.

A diferença está no modelo de crescimento. Na avaliação de Mantega, o modelo adotado pelo governo Lula, mesmo produzindo superávits maiores nas contas públicas, criou empregos e ousou na área social, com a inclusão da população de baixa renda no mercado de consumo. Ele sustentou que a experiência dos últimos três anos e meio mudou um velho paradigma.

"Achava-se que, com crescimento inferior a 4%, 4,5%, aumentaríamos o desemprego. Na verdade, o que há é uma modalidade de crescimento que cria mais empregos e outra, menos. A que cria mais emprego é a que estimula a pequena e média empresa, a agricultura familiar, a agroindústria. Este foi um dos sucessos deste governo: gerar mais empregos do que esperaria o pensamento tradicional", comparou o ministro.

"O diferencial, portanto, não deve ser buscado na política fiscal", disse. "O outro candidato", acrescentou ele, referindo-se a Geraldo Alckmin, do PSDB, "também não vai ser irresponsável". E acrescentou: "Veja que estou dando isso de barato."

Respondendo à desconfiança de analistas, segundo a qual, em 2007 as contas públicas não fecharão graças às elevações de gastos permanentes que estão ocorrendo neste ano eleitoral, Mantega afirmou que, se Lula for reeleito, ele pretende aplicar um redutor no gasto corrente da União como proporção do PIB. "Teremos, ao fim dos próximos quatro anos, a série mais longa de superávit primário da história do Brasil. Serão 12 anos seguidos. Nesse período, no mínimo, zeraremos a conta nominal. Então, não há com o que se preocupar", ponderou o ministro, prevendo que, nos próximos quatro anos, a taxa básica de juros (Selic) cairá, em termos reais, à metade, ajudando o governo a eliminar o déficit público.

"Poderemos alcançar um juro real de 5%, que é o juro que o país merece. É o juro real americano (de cerca de 3% ao ano) mais um risco de 200 pontos básicos. A TJLP, que está em 7,5% ao ano, já está nesse patamar. Se você considerar o spread de projetos de celulose e siderurgia, por exemplo, já temos 5% de juro real", explicou.

Mesmo reconhecendo os problemas na área fiscal, principalmente o que diz respeito ao déficit da previdência social, Mantega assegurou que o governo Lula cumprirá o superávit de 4,25% do PIB. "O que for preciso ser feito para manter a atual equação fiscal será feito. Vamos entregar o superávit primário de 4,25% do PIB e não mais. Já vi o concorrente (Alckmin) falar que vai fazer superávit de 8% do PIB e diminuir em 10% do PIB a carga fiscal. Eu corto o meu pescoço porque fazer isso é impossível. Só se ele fechar o Estado e jogar a chave fora", provocou.

Prevendo um horizonte de estabilidade sem precedentes na história do país, Mantega disse que o "novo desenvolvimentismo" será diferente daquele que caracterizou a economia brasileira entre os anos 50 e 70. Agora, o papel do Estado é muito mais regulador do que promotor de desenvolvimento.

"Estamos numa era pós-Estado intervencionista. Agora, é o setor privado que tem de fazer. O setor de ferrovias, por exemplo, está equacionado pelo setor privado. O Estado fez o que tinha que fazer. Saneou a Brasil Ferrovias. A General Electric vai voltar a fazer locomotivas no Brasil. A indústria já está produzindo cinco, seis mil vagões", relatou. "O Estado tem que dar as condições para o setor privado."

Mostrando que mudou de opinião também em relação a outro aspecto da política econômica - o câmbio -, Mantega reconheceu que o real tende a se manter valorizado em relação ao dólar. Isso deverá acontecer porque as contas do país estão mais sólidas, o que torna o país atraente aos investidores estrangeiros. Num recado duro ao setor exportador, ele advertiu: "Estamos fadados a conviver com uma tendência de valorização do câmbio. Se um exportador achar que o seu negócio só se viabiliza com um câmbio a R$ 2,80 ou R$ 3,00, então ele deve mudar de ramo porque não tem milagre."

O ministro lembrou que o mercado mundial é hoje muito mais competitivo do que era no passado e que as empresas nacionais têm que se adaptar a essa realidade. Alguns setores ganharão, outros não. "Não dá para pensar em protecionismo e paternalismo como havia no passado. Quem está na chuva é para se queimar, como diria o Vicente Matheus. Só olhamos para os setores que estão em dificuldades com a globalização, mas também temos os que têm vantagem. Não dá para ganhar em tudo. Mesmo com um câmbio a R$ 2,18, a exportação não pára de crescer", comentou.

O que o governo pretende fazer pelos exportadores é reduzir os custos de produção no Brasil e estimular o aumento da oferta de crédito na economia - a meta é chegar em quatro anos a 50% do PIB (hoje, é 32%). Nessa linha, Mantega informou que o governo vai enviar ao Congresso projeto de lei complementar, criando um fundo de ressarcimento do ICMS aos exportadores. O mecanismo substituirá a Lei Kandir.

"A devolução será automática. Algumas empresas têm R$ 300 milhões, R$ 400 milhões para receber e não sabem como contabilizar. Estão desesperadas porque esse valor pode passar do ativo para o passivo. O fundo seria formado com uma parcela da arrecadação do ICMS de cada Estado. A fonte dos recursos continua sendo a mesma, só muda o trânsito do dinheiro. Tira a gestão política do meio do caminho", revelou.