Título: Os Super Mários precisam de ajuda
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2012, Opinião, p. A9

Será que os dois Mários - Mario Monti, novo primeiro-ministro tecnocrata da Itália, e Mario Draghi, o ainda novo presidente do Banco Central Europeu (BCE) - salvarão a Europa? Não.

Mas indivíduos podem fazer a diferença. Os dois trazem à mesa seu pragmatismo refinado. Sem isso, a estrutura falha atual não sobreviverá. As autoridades monetárias precisarão ser tanto mais cooperativas como mais flexíveis. Os custos políticos e econômicos de uma ruptura seriam tão grandes que precisamos esperar o melhor. Talvez, os dois Mários orientem as políticas adotadas a uma direção mais produtiva.

Os ventos trazem dois sinais sobre o futuro.

O primeiro é a nova operação de refinanciamento de longo prazo, anunciada pelo Banco Central Europeu (BCE) em dezembro. Com os bancos sob pressão feroz de financiamento, a oferta de dinheiro, a ser pago em três anos sob a taxa referencial média do BCE (hoje em 1%), sem estigma, foi algo que os bancos da região do euro não puderam recusar. A captação inicial foi de €489 bilhões, por 523 bancos. O balanço do BCE está para explodir. Foi uma decisão ousada e inteligente de Draghi e provavelmente foi o mais longe que ele conseguiu ir neste momento.

O financiamento barato de longo prazo oferecido pelo banco central ajudou a estabilizar o sistema financeiro da região do euro. Está bem menos claro se conseguirá estabilizar os mercados de títulos de dívidas soberanos. A maioria dos bancos europeus provavelmente resistirá a comprar títulos soberanos de maior risco, tendo em vista a pressão da Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla em inglês) para que elevem seu capital. Os bancos domésticos, no entanto, poderiam tomar decisões diferentes, provavelmente sob pressão. Isso ajudaria a financiar governos vulneráveis, mas também aumentaria a concentração de risco nos bancos domésticos, que é alta: em meados de 2011, 28% dos títulos da Espanha e 27% dos italianos estavam em mãos de bancos domésticos, de acordo com estudo de Jean Pisani-Ferry elaborado para o Bruegel, um centro de estudos com sede em Bruxelas*.

O segundo é a disposição de Mario Monti em argumentar, em entrevista no "Financial Times", que os países credores devem esforçar-se mais para reduzir os custos de empréstimo de seu país, chegando até a alertar para a "poderosa reação adversa" que haveria entre os eleitores na periferia, caso não o façam. Monti encontra-se em posição fortalecida para argumentar isso. Se não fosse ele, quem seria? Se não agora, quando? Ele é uma autoridade respeitada com firmes visões pró-europeias e forte simpatia pelas atitudes da Alemanha no que se refere à concorrência e à estabilidade monetária e fiscal.

Os senhores Draghi e Monti enfrentam duas fragilidades interligadas: a vulnerabilidade do sistema bancário e os termos insustentáveis de captação enfrentados pelos países mais enfraquecidos atualmente. Eles, contudo, não podem resolver essas dificuldades. Para isso, precisariam de mais radicalismo do que ambos podem proporcionar por conta própria.

O estudo de Pisani-Ferry e outro cuja coautoria é de Paul de Grauwe, da universidade de Leuven, indicam que problemas mais profundos precisam ser resolvidos**. Pisani-Ferry argumenta que o debate na reforma se concentra na disciplina fiscal, mesmo com o fracasso em seguir essas regras fiscais tendo desempenhado papel pequeno como causa da crise atual. O que precisa ser compreendido, sugerem os dois estudos, é a fragilidade da região do euro como estrutura, em três aspectos interligados: a falta de qualquer responsabilidade conjunta para as dívidas públicas; a ausência de apoio monetário para a captação soberana, mesmo em uma crise severa; e a conexão próxima entre os países e os bancos domésticos.

O que é impressionante sobre os spreads de risco nos títulos de dívidas soberanas da região do euro é que não são igualados pelos papéis dos países de alta renda com bancos centrais próprios, como o Reino Unido, mesmo com seus déficits ou dívidas sendo, algumas vezes, maiores do que os dos países comparáveis da região do euro. É por isso que a França está compreensivelmente irritada com seu rebaixamento de classificação das dívidas, enquanto o Reino Unido permanece (por enquanto) com sua nota "triplo A". Os investidores que compraram o que se tornaram dívidas "subsoberanas" enfrentam um risco de liquidez, que pode atingi-los a qualquer momento.

Esse aumento de vulnerabilidade a crises de dívidas soberanas ou financeiras não é a única ameaça que enfraquece os países da região do euro. Eles também se deparam com a tarefa de fazer um ajuste maior do que os países com taxas de câmbio flexíveis. O perigo, entretanto, é que a severidade das crises financeiras atingindo os países do euro os prive do tempo que precisam para assegurar melhoras na competitividade. No caso da Itália, por exemplo, a combinação de taxas de juros elevadas e bancos vulneráveis com austeridade fiscal provavelmente levará a uma recessão profunda e prolongada e, portanto, a um aumento nos déficits fiscais cíclicos, enquanto o déficit estrutural cai. Nessas circunstâncias, para um país grande, seria um trabalho de Sísifo tentar recuperar-se por vias deflacionárias.

Pisani-Ferry argumenta que há várias reformas possíveis: uma supervisão e garantia federal genuína para os bancos; a reforma do BCE, para torná-lo um banco central mais moderno; ou algo próximo a um federalismo fiscal. Tudo isso cria dificuldades. Se o status quo fracassar e a ruptura estiver descartada, é preciso optar por reformas, mesmo que dolorosas.

Se perguntarmos por que as mudanças necessárias são tão difíceis, a resposta provavelmente é tripla. Primeiro, este projeto foi uma aposta sobre até que ponto os cidadãos de países-membros se sentiriam "europeus". A resposta, até agora, é "não suficientemente" ou mesmo, talvez, "cada vez menos". Segundo, o projeto foi uma aposta na habilidade de chegar-se a um consenso sobre um diagnóstico compartilhado e soluções aplicáveis em tempos de crise. Até agora, isso está em falta. Por fim, o projeto também foi uma aposta de que, em crises, uma liderança surgiria. Mais uma vez, ainda estamos esperando por isso.

Os custos de um fracasso, no entanto, são tão grandes que a possibilidade de reformas na região do euro devem ser mantidas vivas. A liderança de Draghi no BCE pode ajudar a fazer isso. Enquanto isso, Monti está em posição de seduzir outros países, incluindo a Alemanha, em direção às reformas. Ele pode confrontar o poder dos credores falando a dura verdade. Eles ouvirão com atenção. (Tradução de Sabino Ahumada)

* The Euro Crisis and the New Impossible Trinity (A crise do euro e a nova trindade impossível, em inglês), janeiro de 2012, www.bruegel.org

** "Mispricing of Sovereign Risk and Multiple Equilibria in the eurozone" (A precificação equivocada do risco soberano e múltiplo equilíbrio da região do euro), janeiro de 2012

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT