Título: A meta para a inflação de 2008 e a taxa de juros
Autor: Werlang, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2006, Opinião, p. A11

Em 29 de junho deste ano, o Conselho Monetário Nacional escolheu a meta para a inflação de 2008: 4,5% com intervalo de tolerância de mais ou menos 2%. Em suma, idêntica à meta de 2007. Mais ainda, observando-se a meta central, de 4,5%, este será o quarto ano consecutivo (de 2005 a 2008) que este objetivo foi determinado. Em termos práticos, pode-se dizer que 4,5% ao ano é uma inflação com a qual a sociedade brasileira admite conviver, pelo menos nos próximos dois anos e meio.

Há que notar-se que este valor é um pouco mais elevado que as metas para a inflação vigentes em muitos países, emergentes ou não. Alguns exemplos são: Área do Euro teto de 2%; Chile 3% ± 1%; Inglaterra 2% ± 1%; Canadá, 2% ± 1%; Austrália 2,5% ± 0,5%; Nova Zelândia 2% ± 1%; África do Sul 4,5% ± 1,5%; Turquia 5% ± 2%; México 3% ± 1%; Coréia do Sul 3% ± 0,5%; Israel 2% ± 1%; e Colômbia 4,5% ± 0,5%. Usando-se o centro da banda (exceto no caso da Área do Euro, cujo teto é também o número que é perseguido na prática) como referência, vê-se que a média destes países é de 3%, inferior a 4,5%.

Contudo, o Brasil apresenta algumas especificidades institucionais que parecem justificar esta inflação mais alta. Primeiro, a economia brasileira é ainda muito fechada (ou seja, o volume de comércio externo do Brasil com o mundo ainda é relativamente baixo). Segue-se que, para ajustar qualquer choque externo, as desvalorizações cambiais são mais elevadas que em países que são mais abertos.

Segundo, os salários nominais no Brasil não podem ser diminuídos constitucionalmente (Artigo 7º, inciso VI). Ora, não é comum haver queda de salários nominais em nenhum país do mundo, mas no Brasil tais cortes são proibidos. Dessa forma, qualquer ajuste que tenha que ser feito dá-se ou por rotatividade nos empregos, ou por inflação.

Terceiro, o salário mínimo tem subido acima da inflação há muito no Brasil. Desde 1995 o salário mínimo subiu 97,4% acima da inflação. Além do mais o salário mínimo é referência para vários preços da economia, como por exemplo a aposentadoria mínima do INSS.

Quarto, o funcionalismo público tem estabilidade no emprego e seus salários, entre 1995 e 2005, subiram em média 1,9% ao ano em termos reais (massa salarial real dos servidores públicos federais ativos). Logo, para o ajuste das contas públicas é necessário haver alguma inflação.

-------------------------------------------------------------------------------- Crescimento baixo e inflação aquém da meta no horizonte de curto e médio prazos indicam que os juros ainda têm longo caminho de queda pela frente --------------------------------------------------------------------------------

Só para se ter idéia disto, a inflação média, após a flutuação do real em janeiro de 1999, foi de 7,7% ao ano. Mais ainda, a partir de janeiro de 2000, a inflação em doze meses acumulados foi inferior a 5% apenas nos três últimos meses. Ou seja, uma inflação mais alta que 4,5% é em geral a regra no Brasil pós-flutuação do real.

E, além disso, alguns países emergentes que também são sujeitos a choques externos como o nosso país têm metas iguais às brasileiras (África do Sul e Colômbia).

Em resumo, por diversos mecanismos, sejam de cunho legal, ou meramente econômico, é razoável que o Brasil tenha uma inflação residual maior que a média de outros países. Certamente, quando o CMN determinou a meta de 2008, parece ter levado esta realidade institucional em conta.

Entretanto, este ano as expectativas de inflação (mesmo levando-se em conta reajustes nos combustíveis até o fim do ano) estão abaixo da meta. Também estão abaixo da meta a expectativa de inflação acumulada nos próximos doze meses e as projeções de inflação do Banco Central para este ano e para 2007 (e aqui se está considerando as expectativas com juros fixos - no caso das expectativas seguindo as projeções de mercado, em doze meses está em 4,6%, ou seja praticamente em linha com a meta).

Em outras palavras, todas a previsões relevantes indicam que a inflação adiante está inferior à meta de 4,5%. Portanto, conclui-se que a política monetária brasileira aparenta estar mais conservadora do que o necessário para que a meta seja atingida.

Um argumento que tem sido levantado para mostrar que a taxa de juros não está muito elevada é o seguinte: se o Brasil crescer 4% este ano (o que é um número possível, mas relativamente alto), a média de crescimento de 2003 a 2006 será de 2,9% ao ano, acima da média de crescimento de 1999 a 2002, que foi de 2,1% ao ano. O problema com este raciocínio é que desconsidera o crescimento do resto do mundo. Com efeito, a média do crescimento mundial entre 1999 a 2002 foi de 3,5% ao ano. Dessa maneira, o nosso país cresceu neste período 1,4% ao ano menos que a média global. Já entre 2003 e 2006 (usando-se 4,9% para 2006) a economia internacional expandiu-se 4,8% ao ano. Ou seja, o Brasil neste período cresceu menos que o mundo 1,9% ao ano. Assim, na verdade o nosso país distanciou-se mais do resto do mundo no período 2003-2006.

É claro que a atividade econômica não é só função da política monetária. Dessa forma, também não é possível afirmar de forma taxativa que a menor expansão relativa do país no período recente indique que a política monetária esteja mais rígida do que deveria. Entretanto, as duas evidências juntas, do crescimento relativo mais baixo e da inflação estar confortavelmente abaixo da meta no horizonte de curto e médio prazos, parecem indicar que a taxa de juros ainda tem um longo caminho de queda pela frente.

No sistema brasileiro de metas para a inflação (e da maioria dos países) a meta é escolhida fora do Banco Central. No caso brasileiro, o CMN tem dois votos externos ao Banco Central - dos ministérios da Fazenda e do Planejamento - enquanto o Banco Central tem apenas um voto. E este CMN escolheu 4,5% até 2008. A inflação com a qual a sociedade brasileira quer conviver é essa. Ao Banco Central cabe executar a política monetária que leve a isso.