Título: Um zero aos sujos
Autor: Abreu, Diego; Pariz, Tiago; Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2010, Política, p. 2

Suspensão do julgamento da Ficha Limpa faz com que os votos concedidos a políticos enrolados sejam contabilizados como nulos num primeiro momento. Medida deixará vários resultados das urnas sob incerteza

O eleitor brasileiro irá às urnas em 3 de outubro sem saber quem de fato é candidato. Diante de um quadro em que a Justiça não se entende sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa, as eleições do próximo fim de semana prometem ser a mais judicializada da história do país. Mais de 200 candidatos fichas sujas constarão das urnas, mas podem ter os votos simplesmente cancelados, dependendo do entendimento a ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A confusão generalizou-se entre políticos e juristas sobre como será divulgado o resultado das eleições. O Correio apurou com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que os votos dados aos políticos com a situação de registro indeferida vão ser contabilizados como nulos. Ou seja, no momento da apuração, esses candidatos aparecerão com zero voto. Segundo o TSE, os votos ficarão armazenados no banco de dados da Justiça Eleitoral e só entrarão no leque dos válidos caso a inelegibilidade do candidato seja revertida. Isso seria deixar a solução da questão para as calendas gregas, gerando imensa insegurança jurídica no país, disse Ophir Cavalcanti, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.

Lideranças dos partidos políticos criticaram a suspensão do julgamento do recurso em que o ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC) tentava reverter sua inelegibilidade no STF. Ontem, Roriz desistiu da candidatura e anunciou sua mulher, Weslian, como candidata (leia mais na páginas 37 a 44). A avaliação é de que a posição do Supremo gerou insegurança jurídica sem precedentes para as eleições que ocorrem daqui a oito dias. O cenário não podia ser pior para as eleições, mas infelizmente não há o que fazer, opinou o presidente do PT, José Eduardo Dutra. O presidente do PSDB, Sérgio Guerra, fez apelo para que a Justiça faça esforço concentrado e chegue a um consenso mínimo. A Justiça deve orientar, não desorientar. O que ocorreu é grave e sem precedentes.

A possibilidade de os votos nulos se tornarem válidos ou de os válidos passarem a ser nulos pode alterar o resultado de uma eleição em todos os aspectos, principalmente no que diz respeito ao coeficiente eleitoral. Esse cálculo é determinante para a formação das bancadas das Assembleias Legislativas e da Câmara dos Deputados. A lei eleitoral permite que candidatos barrados continuem concorrendo até que se esgotem as possibilidades de recurso contra a inelegibilidade. Uma cassação futura jogaria no lixo os votos obtidos pelo candidato.

Retomado? Ontem, o presidente do STF, Cezar Peluso, informou que o plenário vai se reunir na próxima quarta-feira para discutir se o julgamento do caso Roriz será ou não retomado. Os ministros também divergem sobre esse aspecto. Ao Correio, o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, também ministro do Supremo, defendeu que o julgamento seja reiniciado, embora a coligação de Roriz tenha anunciado que desistiu do recurso. Quando o tema tem repercussão geral, passa a ter natureza objetiva. Não é um recurso extraordinário que interessa apenas às partes. O tribunal discute uma tese, afirmou.

O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, entende que a desistência é direito da parte. Não estamos julgando só esse caso. O julgamento teve grande importância pelas teses defendidas, destacou. Já Marco Aurélio Mello avalia que haverá novo embate em plenário. A meu ver, não fica prejudicado o recurso, porque, apesar de ele ter deixado de ser candidato, haveria total interesse em afastar essa inelegibilidade.

As divergências na Suprema Corte continuam acentuadas e a hipótese de se aguardar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicar o novo ministro para a vaga do aposentado Eros Grau ganha força. O magistrado ficaria responsável por desempatar o julgamento, suspenso em 5 a 5. Pessoas próximas a Lula dizem que ele mantém a posição de só nomear o novo magistrado depois das eleições.

Apesar de defender que o STF se pronuncie de forma definitiva o quanto antes em relação à Lei da Ficha Limpa, Lewandowski minimizou a insegurança jurídica causada pela indefinição. Não se pode transferir a responsabilidade da escolha do candidato à Justiça. Isso cabe somente ao eleitor, destacou.

"Não se pode transferir a responsabilidade da escolha do candidato à Justiça. Isso cabe ao eleitor Ricardo Lewandowski, presidente do TSE e ministro do STF

"O cenário não podia ser pior para as eleições, mas infelizmente não há o que fazer José Eduardo Dutra, presidente do PT

O número Faltam 08 dias para o 1º turno

Confusão à vista O que pode ocorrer diante da indefinição do STF:

» Os candidatos com a situação indeferida, como Paulo Maluf (PP-SP), terão os votos considerados nulos num primeiro momento. Se depois a inelegibilidade for revertida, os votos passarão a ser contados

» No caso de candidatos ao Senado que estiverem inelegíveis no dia da eleição e acabarem sendo os mais votados, como pode ocorrer no Pará, com Jader Barbalho (PMDB) e Paulo Rocha (PT), a vitória não será declarada. Será necessário aguardar o desfecho da análise de seus recursos na Justiça. Se não conseguirem reverter a inelegibilidade, os diplomados seriam o terceiro e quarto mais bem colocados no pleito.

» O resultado da disputa aos governos estaduais também poderá ficar comprometido. Se o candidato hoje considerado elegível for declarado inelegível depois das eleições, perderá os votos que recebeu. Assim, o segundo colocado será diplomado caso tenha atingido mais da metade dos votos restantes.

» Em caso de segundo turno, se o vencedor for declarado inelegível depois do pleito, será calculado o número de votos dados no primeiro turno ao segundo colocado. Se a soma ultrapassar a metade dos votos restantes, ele será diplomado. Se não, haverá novo segundo turno entre o segundo e o terceiro colocado.