Título: Clubes inflam balanços com reavaliação de ativos
Autor: Niero, Nelson
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2006, Empresas, p. B2

Os clubes de futebol brasileiros encontram na reavaliação de ativos - como sede e campos de treinamento - uma forma de compensar a situação financeira crítica que apresentam.

O levantamento anual com balanços dos maiores times feito pela Casual Auditores, uma firma de auditoria especializada em entidades desportivas, mostra que, de 21 clubes com faturamento acima de R$ 12 milhões, 14 reavaliaram seus ativos nos últimos anos - Santos, São Paulo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Internacional (RS), Coritiba, Grêmio, Fluminense, Atlético (MG), Botafogo, Juventude, Figueirense e Paraná Clube.

Todos esses "ajustes" somados significaram R$ 1,2 bilhão a mais no balanço. Juntos, os 21 clubes analisados pela Casual tinham em 2005 um patrimônio positivo de R$ 732,2 milhões. Se não fossem as reavaliações, haveria um buraco de R$ 531,5 milhões.

"É um instrumento jurídico válido, mas o grande problema é o objetivo", afirma Carlos Aragaki, sócio da Casual. "Os clubes reavaliam para disfarçar o patrimônio negativo."

A reavaliação traz o valor dos ativos, que são registrados no balanço pelo custo histórico, para patamares mais próximos do preço de mercado. No entanto, é um assunto incômodo para especialistas de contabilidade - a medida não é permitida nos Estados Unidos e na União Européia, por exemplo -, que vêem no artifício, muitas vezes usado de forma abusiva, uma maneira de "maquiar" os números. Na melhor das hipóteses, dificulta a comparação entre balanços, já que uns fazem-na e outros não.

O cálculo dá uma cara nova ao patrimônio líquido, uma conta que representa a diferença entre o valor dos ativos e dos passivos, ou seja, o que "sobra" para os sócios. Um dos indicadores mais tradicionais de rentabilidade, por exemplo, é a divisão do lucro pelo patrimônio.

"Esse tipo de ajuste pode dar a impressão de equilíbrio, mas não muda o lado operacional. É jogar areia", diz o auditor Guy Almeida Andrade, sócio da Magalhães Andrade e membro do conselho da Federação Internacional de Contadores (Ifac, na sigla em inglês). Além disso, lembra, a nova avaliação seria válida se os ativos estivessem à venda, o que não parece ser o caso dos clubes.

O estudo da Casual mostra que o patrimônio líquido dos times aumentou 82% em relação a 2004. Parte vem da melhora no superávit de alguns clubes (o lucro ou prejuízo acumulados durante os anos aumentam ou reduzem o patrimônio). Mas a reavaliação fez a grande diferença, como ilustram os casos de Flamengo e Fluminense.

Em 2004, Flamengo, Botafogo e Fluminense tinham os maiores rombos no patrimônio entre os clubes pesquisados. Com o retoque, o Fluminense passou a ter um patrimônio líquido de R$ 176,7 milhões, o maior do futebol brasileiro - se estivesse na bolsa, estaria entre as 200 maiores empresas listadas -, e o Flamengo conseguiu uma sobra para sair do buraco. O Botafogo, que não fez reavaliação, ficou na lanterna, com um passivo a descoberto de R$ 218 milhões.

"Temos consciência de que os bancos e os investidores não vão passar a nos ver com outros olhos só por causa da reavaliação", diz Renato Blaute, gerente financeiro do Fluminense. Segundo ele, o fato de a sede do clube estar penhorada em várias ações judiciais foi um dos motivos para a atualização de valores. "A Justiça geralmente faz avaliações abaixo do valor de mercado, então resolvemos fazer a coisa da maneira correta."

Informações disponíveis no balanço mostram que a empresa Omni Avaliações e Consultoria Técnica estabeleceu um valor de R$ 306,9 milhões para o "terreno, prédio da sede social, edificações e benfeitorias" no bairro de Laranjeiras. Desse total, R$ 285,3 milhões foram reforçar o patrimônio do clube, que em 2004 estava negativo em R$ 102,2 milhões. Já no lado operacional, os números não melhoraram muito: apesar de a receita bruta ter crescido 38%, para R$ 39,9 milhões, o clube continuou no vermelho, com um déficit de R$ 4,8 milhões.

"Cerca de 55% do orçamento do clube está comprometido com dívidas trabalhistas, cíveis e fiscais", explica Blaute. O clube briga para ser readmitido no Programa de Recuperação Fiscal (Refis) do governo federal e também espera uma ajuda do Timemania, loteria criada pelo governo para aliviar as dívidas dos clubes de futebol.

No rival Flamengo, a situação parece mais complicada, como pode atestar o longo parecer do auditor independente, com 13 parágrafos (normalmente são três). O auditor chama a atenção das "limitações dos controles internos" e reclama de não ter conseguido dos consultores jurídicos do clube respostas às solicitações sobre a situação atual de processos judiciais.

O auditor também não gostou da reavaliação feita a pedido do clube pela Embrap & Práxis Avaliação Patrimonial. Além de "benfeitorias" no estádio da Gávea, o Flamengo registrou R$ 97,6 milhões relativos ao direito de uso do terreno - cedido pela União -, já que havia planos de se construir uma arena esportiva e um shopping center no local. Segundo o auditor Luiz Fernando Lyra Magalhães, que assina o parecer, o laudo de avaliação foi feito com base no valor venal do terreno "e não com base em avaliação econômico-financeira que vise determinar o valor presente da expectativa da capacidade de geração de caixa do empreendimento que será realizado". Por isso, conclui o auditor, os R$ 97,6 milhões deveriam ser excluídos do patrimônio.

O vice-presidente de finanças do Flamengo, José Carlos Carvalho Dias, foi procurado pelo Valor, na sexta-feira e ontem, mas não havia retornado as ligações até o fechamento desta edição.

A Embrap & Práxis, que fez a reavaliação, alegou que não pode dar informações sobre serviços prestados a seus clientes.