Título: Déficit ameaça operação de Fundo da Marinha Mercante
Autor: Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2006, Empresas, p. B6

O Fundo de Marinha Mercante (FMM), principal fonte de financiamento da indústria naval, poderá não ter recursos suficientes para atender a demanda do setor a partir de 2007. A previsão do Ministério dos Transportes é de que, no ano que vem, o fundo tenha déficit de quase R$ 1 bilhão, número que deverá subir para R$ 1,7 bilhão em 2008. Em 2009, o rombo seria um pouco menor, de R$ 1,2 bilhão, e, em 2010, de R$ 850 milhões.

Na quinta-feira, o conselho diretor do FMM se reunirá, em Brasília, para discutir soluções para o problema do fluxo de caixa. Uma das alternativas consideras no encontro será a possibilidade de o governo fazer um aporte com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O fundo é formado pela arrecadação de um adicional cobrado sobre os fretes marítimos na importação mais o retorno dos empréstimos (principal e juros).

Até agora havia sobra de recursos no fundo com a arrecadação superando largamente os desembolsos dos projetos financiados. Por falta de demanda, o fundo acumulou no Tesouro Nacional estoque de R$ 3,4 bilhões referentes a recursos carimbados, mas não utilizados. Em 2006, o FMM deverá gastar R$ 778 milhões com financiamentos para a construção de navios e vai arrecadar R$ 1,17 bilhão, um superávit de R$ 392 milhões. A partir de 2007, a situação deve se inverter.

A mudança no caixa do fundo, de superávit para déficit, será determinada pelo financiamento para os 26 navios licitados pela Transpetro, que custarão à estatal US$ 2,48 bilhões. A Transpetro, subsidiária da Petrobras, ainda não teve o pedido de financiamento para os navios analisado pelo FMM. A encomenda da Transpetro seria discutida na reunião do conselho diretor do fundo na quinta-feira, mas a pauta foi alterada.

Fontes da indústria naval disseram ao Valor que houve uma tentativa de deixar de lado cerca de 15 projetos em fase mais adiantada, incluindo navios de apoio offshore, para acomodar o pacote da Transpetro. O Ministério dos Transportes resolveu tirar todos os projetos de pauta para resolver, primeiro, a questão do fluxo de caixa do FMM. "O aumento da demanda por empréstimos no fundo não deixa de ser um bom problema a ser resolvido", diz Sérgio Bacci, secretário de fomento para ações de Transporte do Ministério dos Transportes.

Ele diz que, em 2007, o investimento total do fundo será de R$ 2,1 bilhões, incluindo os financiamentos à indústria naval e despesas de custeio do sistema. Deste total, R$ 1,84 bilhão corresponderão só aos empréstimos aprovados pelo FMM para as empresas do setor. A receita do fundo será de R$ 1,17 bilhão. O déficit no ano que vem atingirá, portanto, R$ 926 milhões. O Ministério dos Transportes pretende utilizar os R$ 3,4 bilhões que dispõe no Tesouro para fazer frente ao déficit do fundo.

Mesmo assim, os recursos do fundo em mãos do Tesouro se esgotarão rapidamente face à perspectiva de grandes déficits no orçamento anual do FMM. O estoque de R$ 3,4 bilhões cairia para R$ 2,5 bilhões em 2007 e para R$ 778 milhões, em 2008. Em 2009, este saldo já seria negativo em R$ 447 milhões, permanecendo no vermelho até 2012. O saldo do fundo voltaria ao azul somente em 2013.

Bacci diz que será preciso buscar uma solução conjunta para o déficit no âmbito do conselho diretor do fundo entre governo, armadores, estaleiros, metalúrgicos e marítimos. Além da hipótese de que o governo faça um aporte ao fundo com recursos do FAT, Bacci defende melhorias na qualidade da arrecadação por meio de auditorias e fiscalizações.

Fontes do setor afirmam que, frente a escassez de recursos, o conselho diretor do fundo terá que passar a estabelecer prioridades na construção de embarcações. Outra hipótese é reduzir a participação do fundo no investimento. Hoje o FMM financia até 90% do projeto. Há também quem defenda estender os cronogramas de construção dos navios, o que poderia levar a atrasos na entrega de embarcações em relação aos planos iniciais, como é o caso da Transpetro.

Cálculos da indústria indicam que o rombo no fundo poderia chegar a US$ 500 milhões em 2010 considerando as encomendas da Transpetro e outros projetos. A perspectiva é de que os primeiros desembolsos do fundo para os navios da Transpetro ocorram no segundo semestre de 2007. Para começar a construção dos navios, a estatal teria que adiantar recursos do seu próprio caixa aos estaleiros.

Atualmente, a encomenda está parada à espera da aprovação, pelo Senado, do aumento da capacidade de endividamento da Transpetro. O tema ganhou contornos políticos e, apesar de estar previsto para entrar em votação no início de setembro, o mais provável é que o assunto fique para depois das eleições presidenciais de outubro. Enquanto isso, a Transpetro não poderá assinar os contratos com os estaleiros ganhadores da licitação para iniciar a construção dos navios.