Título: Guedes defende revisão de índice de produtividade para reforma agrária
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2006, Agronegócios, p. B12

Fiel ao estilo franco e sem meias-palavras, o ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto, provocou apreensão e arrancou aplausos ao longo de um "talk show" de duas horas com 120 grandes empresários e produtores rurais durante o AgriForum 2006, na Ilha de Comandatuba, na noite da última sexta-feira.

Em um evento marcado pelo receio de produtores e exportadores sobre a "linha política" de um eventual segundo mandato do presidente Lula, o ministro Guedes reclamou dos gastos "de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões" ocasionados pelas renegociações de dívidas agrícolas e apoio à comercialização da safra "Temos que mudar para evitar gastos de bilhões por ano", disse ao criticar o atual modelo de política agrícola do governo.

E surpreendeu ao abordar o tema reforma agrária com desenvoltura. Guedes disse que os trabalhadores sem-terra cometem "seus excessos, mas têm direito de se organizar" para reivindicar a polêmica revisão dos índices de produtividade no campo. "Claro que dentro da lei. Mas tem uma lei que diz que a terra que não cumprir sua função social deve ser desapropriada", afirmou. "Ou muda a Constituição ou muda o dado objetivo dos índices de produtividade".

O ministro foi ainda mais direto ao defender a revisão dos índices, que depende de uma decisão política do presidente Lula: "Precisa ser revisto mesmo. A produtividade da soja é de 900 quilos por hectare [no atual índice]. Quem produzir menos de 2.500 quilos está quebrado". O rendimento médio da soja na safra 2005/06 ficou em 2,4 mil quilos/ha, ou 8,8% superior aos 2,2 mil quilos/ha do ciclo 2004/05, muito prejudicado pela forte estiagem no Sul do país. E arrematou: "Conheço o [João Pedro] Stédile há 30 anos. Quando fui pró-reitor da Unicamp, promovemos grandes encontros com jovens sem-terra, assim como fizemos com outros segmentos".

Estudioso do tema, Guedes defendeu um prazo para o fim da reforma agrária e a criação de um órgão exclusivo para concluir o processo no país. "O Japão redistribuiu 40% de suas terras em 22 meses. O Brasil levou 42 anos e não terminou. A reforma agrária tem que ter um prazo para ser concluída. E tinha que ter um órgão específico".

Recebido com frieza inicial pela platéia, o Guedes quebrou o gelo ao defender a unificação dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, uma reivindicação dos ruralistas. "Não é desejável essa separação. Talvez o Brasil seja o único a ter essa divisão. Deveria ser unida numa mesma estrutura. Mas não sei se politicamente será possível".

Ele também recebeu aplausos ao criticar o peso da carga tributária no país, defender a desoneração e elogiar, de forma surpreendente, a redução da alíquota do ICMS feita pelo candidato Geraldo Alckmin (PSDB) quando governador de São Paulo. "Nada melhor que isso. Baixou o imposto sobre o álcool [de 25%] para 12% e aumentou a arrecadação".

Guedes fez um desabafo contra as "amarras" da legislação ao anunciar que o Centro de Agroenergia da Embrapa será instalado somente em 2007 porque a Lei de Responsabilidade Fiscal impede a criação de "despesas adicionais". "Está impossível administrar o país. Qualquer decisão é um desgaste enorme".

Ele adiantou à platéia que a reunião de ontem com usineiros serviu para conhecer as "garantias" de entrega do álcool brasileiro. "Todos querem saber qual é a garantia. Ficamos numa situação difícil com questionamentos internos e externos", disse. E descartou, ao responder perguntas de usineiros, a volta imediata da mistura de 25% de álcool anidro à gasolina. "Me parece prematuro. Isso pode colocar em risco o abastecimento. Se aumentar a mistura, mantém pressão de demanda e preços sobem".