Título: Plano Brasil Maior: o desafio da produtividade :: Mauro Borges Lemos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2012, Opinião, p. A18

O objetivo estratégico do Plano Brasil Maior é promover um salto na produtividade do trabalho da indústria e da rede de serviços para produção. Parte do diagnóstico de que o padrão de crescimento extensivo da produtividade, baseado em tecnologias dominadas, mão de obra de baixa qualificação e presença ativa do Estado na produção, se esgotou. Os novos parâmetros mundiais exigem investimento em pesquisa e desenvolvimento, força de trabalho qualificada e estruturas corporativas flexíveis. A economia do conhecimento requer uma política industrial que conduza o país a um crescimento da produtividade intensivo em tecnologia. Para tanto, o Brasil Maior tem como foco o adensamento de cadeias produtivas, que exige inovação e qualificação profissional.

Passados seis meses do seu lançamento, 17 das 36 medidas anunciadas se encontram operacionais, enquanto 16 estão em fase avançada de implementação. Desoneração da folha de pagamento, devolução de créditos a exportadores, criação e ampliação de linhas de financiamento e melhorias no marco legal da inovação são alguns dos avanços obtidos. Porém, muito ainda está por vir. Com o pleno funcionamento dos 19 Comitês Executivos e Conselhos de Competitividade Setoriais, serão construídas agendas estratégicas que sustentarão novos programas de apoio à competitividade. Além disso, as 9 coordenações sistêmicas detalharão propostas que nortearão ações em favor do desenvolvimento industrial.

Das 36 medidas anunciadas, 17 estão em operação, enquanto 16 estão em fase avançada de implementação

Desde o princípio, o plano foi alvo de críticas que condenam seu conteúdo protecionista. Exemplos citados são a desvalorização do câmbio via "subsídio tributário", margens de preferência para nacionais em compras públicas, exigência de conteúdo local para financiamento e equalizações de juros. Segundo os críticos, essa alocação de recursos favoreceria produtores ineficientes, gerando impactos negativos sobre a produtividade. Um corolário da crítica é que o plano nada mais seria que a reedição da política de substituição de importações do passado. Mas afinal, ainda faz sentido uma política industrial? Se os mercados, ainda que imperfeitos, operam eficientemente via sistema de preços, por que desorganizá-los com intervenções setoriais inadequadas?

A experiência chinesa dá uma boa pista para afirmar a atualidade da política industrial. Cinco são as razões fundamentais: 1) a integração produtiva e financeira evidenciou os limites dos mercados globais, fragilizados pelas políticas econômicas dos países hegemônicos; 2) os acordos na OMC são frágeis para garantir o livre comércio e controlar a propriedade intelectual; 3) a falta de regulação do sistema financeiro mundial incita o protecionismo cambial; 4) políticas de pleno emprego e segurança nacional induzem a defesa da produção nacional; 5) oportunidades tecnológicas são janelas que se abrem por curto espaço de tempo, de modo que se busca explorá-las por meio de múltiplos instrumentos.

Políticas em educação e áreas tecnológicas estratégicas não são novidade na história de construção da competitividade das nações, remontando a experiências de industrialização do século XIX e chegando aos recentes modelos de substituição de importações de países asiáticos. A diferença das políticas atuais é o contexto do capitalismo contemporâneo, com forte integração financeira e produtiva global. Evidências históricas mostram que os benefícios de longo prazo de uma política baseada em ganhos de produtividade são mais elevados que seus custos de curto prazo. Os argumentos de viés liberal contrários à política industrial não resistem, portanto, às evidências históricas.

No caso dos críticos favoráveis a uma política industrial nos moldes do Brasil Maior, os argumentos mais contundentes são: ajustes macroeconômicos, para "acertar" juros e câmbio e aumentar a competitividade da indústria; ausência de medidas para enfrentar problemas de competitividade sistêmica; e falta de visão estratégica (medidas de curto prazo com efeitos contraditórios).

A apreciação do real frente às moedas de circulação mundial - resultante de juros reais elevados do esforço de estabilização monetária, dos termos de troca favoráveis das commodities e da atração de capitais motivada pelo vigor do mercado interno - é fator de forte restrição competitiva. Porém, ainda que o ajuste cambial seja desejável, parte importante da apreciação é fruto do próprio sucesso da política macroeconômica.

Infelizmente, fatores sistêmicos de apoio à competitividade não sofreram alterações radicais na última década. A retomada do investimento público, especialmente com o PAC, foi fundamental para sustentar taxas mais elevadas de crescimento, porém insuficiente para alterar a participação relativa do investimento em infraestrutura no PIB, considerando o ciclo de expansão iniciado em 2004. Isso porque o equacionamento do déficit histórico requereria crescimento da infraestrutura em ritmo superior ao do produto. Os esforços de coordenação macroeconômica, do PAC e da política industrial gerarão resultados ao longo do tempo.

A crítica de que o plano carece de visão estratégica tampouco se sustenta. Tomar como base para essa conclusão as medidas de lançamento demonstra um entendimento limitado da proposta. Essas medidas foram uma "bandeirada" e não o ponto de chegada. Uma análise dos documentos, metas, sistema de gestão e agendas sistêmicas e setoriais em construção revela aonde se quer chegar. São mais de 500 pessoas mobilizadas para construir e executar a agenda estratégica sob a supervisão do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, composto por ministros, empresários e trabalhadores.

Trata-se de uma gestão sofisticada e de apostas consistentes para a indústria nacional alcançar um novo padrão de crescimento da produtividade, baseado na inovação e no desenvolvimento tecnológico. Esses são os desafios da era do conhecimento.

Mauro Borges Lemos é presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais.