Título: Importação acelera e produção industrial cai
Autor: Landim, Raquel e Lamucci, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2006, Brasil, p. A6

Desde o início do ano, a importação brasileira cresce com mais vigor que a produção industrial. No segundo trimestre, contudo, a diferença de velocidade cedeu lugar a um descompasso entre produção e importação. Enquanto mais da metade dos setores industriais registrou queda na produção, a importação cresceu de forma generalizada, apesar da greve dos fiscais da Receita Federal. O câmbio valorizado é o grande responsável pelo movimento, por baratear as importações e também prejudicar as exportações de alguns setores.

A produção industrial recuou em 15 dos 26 setores pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) apontam queda da quantidade importada em 9 dos 28 setores, cerca de um terço. No primeiro trimestre do ano, a produção industrial recuou em nove setores, e a importação em cinco.

O segundo trimestre foi atípico. Por conta da paralisação de algumas fábricas em dias de jogo da Copa do Mundo e da greve dos fiscais da Receita Federal, a produção industrial e a importação perderam ritmo. Só que a importação, que já vinha crescendo mais que a produção industrial no primeiro trimestre, ampliou a dianteira. Os contratos de importação são fechados com antecedência, o que pode ajudar a explicar a diferença. Mas o fenômeno mais importante é a substituição de produtos e insumos nacionais por importados. O coordenador de indústria do IBGE, Sílvio Sales, diz que esse processo não é generalizado, mas está em curso em alguns setores.

A produção da indústria da transformação cresceu 0,65% no segundo trimestre do ano, período em que a quantidade importada de matérias-primas e insumos industriais (bens intermediários) avançou 12 vezes mais: 7,9% . No primeiro trimestre, a importação crescia quatro vezes mais que a produção: 15,5% contra 4,1%, respectivamente. Já a produção local de bens intermediários segue o mesmo ritmo do total da indústria, com alta de 2,8% no primeiro trimestre e 0,6% no segundo.

Sales nota que a produção total de bens intermediários tem sido puxada para cima por conta do desempenho muito positivo dos segmentos de minério de ferro e petróleo (que aparece no grupo combustíveis e lubrificantes básicos, por exemplo), beneficiados pelo aumento das exportações. Se a análise se restringir ao grupo de insumos industriais elaborados, diz ele, o resultado mostra um aumento da produção de apenas 0,9% no primeiro trimestre e uma queda de 0,4% no segundo. Isso indicaria um movimento mais acentuado de troca de insumos nacionais por importados.

O economista Caio Prates, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nota que as importações totais e de bens intermediários passaram a crescer a uma velocidade bem maior que a da produção industrial de dezembro de 2005 para cá. No fim do ano passado, a taxa de expansão em 12 meses das importações de bens intermediários era 1,9 vez maior que a da produção, relação que passou para 2,5 em março e para 4 em junho. Isso é um sinal, segundo ele, de que há uma substituição da produção doméstica por produtos importados.

No setor de couro e calçados, a produção industrial subiu 8,2% no primeiro trimestre do ano em relação a igual período do ano anterior. A quantidade importada cresceu quase duas vezes mais, 14%. No segundo trimestre comparado com o mesmo intervalo de 2005, a produção de couro e calçados caiu 6%. A importação também recuou, mas com menor vigor: 3%.

Heitor Klein, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), explica que é natural um arrefecimento da produção no segundo trimestre por fatores sazonais, já que a coleção é vendida nos meses de janeiro e fevereiro. "O primeiro semestre foi decepcionante, mas esperamos vendas mais fortes na segunda metade do ano com o aumento da renda disponível", diz.

Ele explica que a importação mais forte que a produção reflete um substituição de produção nacional por importados. Com a valorização do real, está aumentando a concorrência de sapatos chineses. Os importados, no entanto, ainda possuem pouca relevância no mercado interno.

É um quadro semelhante ao observado no setor de móveis, em que os produtos importados têm uma participação modesta por aqui, mas que é crescente, como diz o presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), Domingos Rigoni. Segundo ele, a presença dos importados incomoda, principalmente, no segmento de móveis para escritório, que tem sofrido com a concorrência chinesa. Mas empresas que fabricam móveis de alto luxo também começam a enfrentar concorrentes do exterior, afirma Rigoni.

No primeiro trimestre, a produção doméstica de móveis cresceu 2,87% em relação a janeiro a março do ano passado, enquanto as importações subiram quase quatro vezes mais - 11%. No segundo trimestre, a produção caiu 2,06% e as importações cresceram a um ritmo ainda mais rápido, de 12,5%.

Segundo Rigoni, o aumento da venda de televisores no segundo trimestre "roubou" parte do mercado do setor de móveis. Ao comprometer parte da renda com a compra de uma TV, o consumidor ficou com menos dinheiro para adquirir um móvel. Além disso, as exportações estão em queda devido ao dólar barato. De janeiro a junho, as vendas externas de móveis recuaram 11,6% em relação ao mesmo período de 2005, diz ele.

No setor têxtil e de vestuário, a produção no segundo trimestre caiu 0,57% e 0,64%, pela ordem, após subir 5,7% e 8,2% na primeira metade do ano. A indústria sofreu com o calor fora da hora, que prejudicou as vendas de roupas de inverno. A importação também perdeu fôlego, mas com menor intensidade. No primeiro trimestre, as importações de têxteis avançaram 44,4% e as de vestuário, 25%. No segundo trimestre, as altas foram de 30% e 10%, respectivamente.

"Com o câmbio valorizado, a produção nacional está sendo substituída pelo produto importado", diz Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Ele calcula que a participação dos importados chegará a 8% do consumo doméstico este ano, o dobro dos 4% de 2005. Segundo estimativas da Abit, o setor de tecidos e vestuário deve registrar este ano déficit entre US$ 200 milhões e US$ 300 milhões, o primeiro desde 1999. Em 2005, o superávit do setor ficou em US$ 650 milhões.

O setor químico mostra um padrão diferente. A importação, que já tinha caído 9,7% no primeiro trimestre, recuou ainda mais no segundo, encerrando o período de abril a junho com queda de 21% em relação ao mesmo período de 2005. O vice-presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Guilherme Duque Estrada de Moraes, diz que o recuo das compras de insumos para fertilizantes e defensivos agrícolas ajuda a explicar o tombo, devido ao mau desempenho do setor agrícola. Além disso, os preços dos produtos químicos aumentaram significativamente, influenciados pelos altos preços do petróleo, o que tende a levar à redução das quantidades importadas.

A produção do setor teve comportamento bastante distinto no primeiro e no segundo trimestres. De janeiro a março, houve aumento de 9,13% e de abril a junho, queda de 4,4%. Para Duque Estrada, a produção no segundo trimestre foi prejudicada, porque houve paralisações para manutenção em plantas importantes e pelo efeito Copa do Mundo. Em julho e agosto, porém, houve recuperação dos negócios. Ele ressalta que as exportações estão indo bem, principalmente por conta da demanda da Ásia.