Título: É preciso reduzir tributação sobre o saneamento
Autor: Velloso,Raul
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2012, Opinião, p. A10

No Brasil, somente 44% da população tem acesso à rede de esgoto. A Fundação Getulio Vargas1 estima diversos efeitos positivos da universalização do saneamento, tais como:

- Redução de 25% no número de internações e de 65% na mortalidade decorrentes de infecções gastrintestinais.

- Diferença de 30% no aproveitamento escolar entre crianças que têm e não têm acesso a saneamento básico.

- Economia de R$ 42 milhões ao ano com as internações que seriam evitadas, não se computando nesse valor as economias decorrentes da redução de aquisição de medicamentos e das despesas para ir e retornar à consulta médica.

- Economia das empresas de R$ 309 milhões por ano em horas de trabalho pagas mas não trabalhadas em decorrência de infecções gastrintestinais.

A partir de 2003, a arrecadação de impostos federais no setor cresceu 188%, já descontada a inflação

- Aumento da produtividade do trabalhador que passa a ter acesso a residência com coleta de esgoto, em média, de 13,3%, gerando aumento real da massa de salários da economia de 3,8% (equivalente a R$ 41,5 bilhões).

- Redução das desigualdades regionais, visto que os índices de internações per capita por infecções gastrintestinais nas Regiões Norte e Nordeste são 6,3 e 5,2 vezes maiores que na Região Sudeste, respectivamente.

- Criação de 120 mil novos postos de trabalho no setor de turismo.

Uma atividade geradora de tantos efeitos positivos deve ser incentivada pelo governo, por meio de baixa tributação e de subsídios. Para suprir o déficit de atendimento, as empresas do setor precisam estar capitalizadas para investir.

Porém, quando analisamos a tributação sobre o setor, percebemos que ela é alta e crescente, desestimulando a expansão do saneamento. O gráfico compara os tributos pagos pelos prestadores de serviços de saneamento e os recursos não onerosos por eles recebidos de fontes governamentais. Tais recursos equivaleriam aos subsídios recebidos pelo setor.

O que se observa é que, até 2002, o montante de tributos pagos era aproximadamente igual ao montante de subsídios recebidos. A partir de 2003 a arrecadação de impostos federais no setor cresceu com força, acumulando alta de 188% de 2002 a 2008, já descontada a inflação. Já os subsídios ao setor (apesar dos esforços do Programa de Aceleração do Crescimento) não cresceram na mesma proporção e, em 2008, ano com os dados mais recentes, a diferença entre tributos e subsídios superou os R$ 2 bilhões. As mudanças no regime de incidência da Cofins e do PIS/Pasep, ocorridas em 2002 e em 2003, foram as principais causas do aumento da tributação.

O objetivo dessas mudanças foi a transição da tributação de um regime cumulativo para um regime não cumulativo, que permitiu que os tributos embutidos nos preços dos insumos adquiridos por uma pessoa jurídica pudessem ser descontados dos tributos a pagar.

Tal modificação, se fosse adotada isoladamente, deveria reduzir a carga de Cofins e PIS/Pasep. Porém, não podendo abrir mão de receita tributária, por estar pressionado por gastos correntes altos e crescentes, o Governo Federal introduziu uma segunda modificação: a elevação das alíquotas.

A alíquota básica da Cofins passou de 3% para 7,6%, e a do PIS/Pasep, de 0,65% para 1,65%. O efeito final sobre cada setor da economia depende de dois fatores. O primeiro fator é a quantidade de créditos que cada empresa pode descontar do imposto a pagar.

Ganham os setores em que os créditos tributários acumulados ao longo da cadeia de suprimentos são suficientes para compensar a elevação de alíquotas dos impostos. Perdem os setores que acumulam poucos créditos a serem descontados. O segundo fator é o detalhamento da legislação, que define que tipos de crédito podem ser descontados. Levam vantagem as empresas cuja estrutura de custos tem alto percentual de despesas aceitas para dedução de impostos.

O setor de saneamento foi prejudicado pelos dois fatores. Em primeiro lugar, porque sua cadeia de produção tem poucos créditos a descontar. Em segundo lugar porque seus custos operacionais são majoritariamente concentrados em despesas de não passíveis de dedução.

O principal insumo do saneamento, a água, não é comprada de fornecedores, e sim adquirida mediante outorga. Não há, portanto, créditos tributários. Insumos como produtos químicos e energia elétrica podem ser deduzidos, mas representam apenas 20% do custo de produção.

O setor tem altos custos de investimento em rede de distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto, e a legislação impõe restrições aos créditos tributários de depreciação e amortização do ativo imobilizado.

A descapitalização provocada pelo aumento da carga tributária é alta o suficiente para limitar a capacidade de crescimento da oferta dos serviços. Antes da mudança tributária, as despesas fiscais ou tributárias equivaliam a 24% do que se gastava com investimentos. Em 2008 esse percentual já havia chegado a 39%.

O governo federal aponta a necessidade de investimentos de R$ 15 bilhões por ano até 2030 para que se atinja a universalização dos serviços. Em 2008, o investimento total das empresas de saneamento foi de apenas R$ 5,6 bilhões. Ou seja, pouco mais de um terço do montante necessário.

Este é um exemplo típico de como a crescente despesa corrente do governo exige que o fisco equilibre suas contas tributando tudo o que pode tributar, independentemente dos prejuízos causados ao bem-estar e ao progresso social.

1 Fundação Getulio Vargas (2010) Benefícios econômicos da expansão do saneamento brasileiro. Instituto Trata Brasil, junho de 2010.

Raul Velloso, doutor em economia, é consultor econômico.

Marcos Mendes e Paulo Springer de Freitas, doutores em economia, são consultores legislativos do Senado, e editores do site www.brasil-economia-governo.org.br, que apresenta versão ampliada deste artigo.